in loco - cobertura do É Tudo Verdade

Vocacional - Uma Aventura Humana,
de Toni Venturi (Brasil, 2011)

por Thiago Brito

Exemplos

Vocacional se resume em uma grande frustração. Ao recuperar (no Brasil, todo esforço histórico invariavelmente é uma recuperação) a história do programa educacional Vocacional, realizado no início da década de 60, inicialmente em três cidades de São Paulo, o filme de Toni Venturi esforça-se para engajar uma discussão em torno da noção atual de educação, buscando nesta um reflexo da ausência de um projeto de nação que valorize o desenvolvimento do sujeito como um agente histórico-social consciente e transformador. O projeto Vocacional, assim, assume um papel de exemplo, de um determinado momento ápice brasileiro, onde tudo parecia fluir maravilhosamente bem, onde a teoria se conformasse com a prática. Utópico? Provavelmente, sim. Mas, principalmente, é o tom passadista e nostálgico que reina por todo o documentário.

Filhos tanto da esperança quanto da ditadura militar, os entrevistados e o próprio diretor apregoam apreço às belezas de um passado, e uma profunda desesperança com o desenrolar do presente. Assim, embora o esforço, a educação contemporânea aparece no máximo como uma sombra, lembrada em pequenos esboços de contra-reações, em tons de revolta e rechace, sem, em nenhum momento, ser efetivamente elegida como objeto de análise, estudo – como se o que se está falando fosse óbvio, um sentimento geral e evidente. O problema está no passado, é lá que o Brasil se perdeu e as perspectivas de uma renovação (na verdade, uma continuação) estão cada vez mais evaporadas, e o que resta é um banzo de admoestações que faz com que tudo pareça distanciado – como se o filme se conformasse a um propósito de documentação e denúncia: as imagens estão lá para comprovar um estado anterior de glória, e não um questionamento atual de sua procedência ou possibilidade. Para isso, é sempre melhor dizer que o mundo não mudou, que as coisas continuam as mesmas e que estamos perdidos ao não nos reportar a um modelo de excelência que, se deu certo uma vez, deveria, consequentemente, dar certo novamente. Se o passado é tão doce e o presente é tão amargo, voltando-nos ao passado, lá explicaremos os erros do presente.

A bipartição de toda a narrativa acaba por responder um pouco a este estado geral de ressentimento. Se, por um lado, as entrevistas nos dão a possibilidade de entrar minimamente em contato com o que era estar e participar do programa Vocacional, elas também nos colocam a par dos objetivos do próprio realizador. Venturi, depois de sair do Vocacional, assim como muitos ex-alunos do projeto, acabou tendo dificuldades em se restabelecer em colégios normais – tornando-se um “estudante problemático”. Por outro lado, a segunda parte do documentário, uma espécie de denúncia das truculências da ditadura militar com relação ao Vocacional (onde Maria Nilde Mascellani, a grande cabeça por trás do colégio, acaba presa e torturada), se revela um verdadeiro acertar de contas. Voltamos à grande resposta para os problemas da utopia e do grande sonho: é preciso achar o culpado. Antes, era ditadura, com sua visão caduca de Moral e Civismo, agora são os colégios cada vez mais ligados à bunda do mercado e do vestibular, que ignoram completamente seu caráter de formação e transformam todo seu programa em um espetáculo de erros e acertos, de concorrência desenfreada. Então, e agora José? Mais do que a busca deste embate, mais do que procurar entender o que realmente está acontecendo com a educação brasileira, o documentário se conforma na cápsula do passado, que vem envelhecendo cada vez mais.

Abril de 2011

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