Vingança,
de Paulo Pons (Brasil, 2008) por Cléber Eduardo
Quase
nadaUm jovem gaúcho da fronteira deslocado no Rio de Janeiro,
uma missão a cumprir, insegurança no processo, obstáculos de ordem afetiva e pressão
para dar conta de seus objetivos, menos por motivações pessoais, mais para honrar
uma tradição de sua terra. Se restrito aos seus elementos dramáticos, Vingança,
filme de ambientação carioca do gaúcho Paulo Pons, é mais ou menos isso, e quase
nada mais.
Um filme sobre uma missão violenta e sobre os obstáculos para
executá-la. Estamos diante de uma das mais tradicionais premissas da história
das narrativas. Um homem tem de fazer algo, sem necessariamente acreditar nessa
obrigação, e lidar com conflitos internos e externos. A missão do protagonista
gaúcho, Miguel (Erom Cordeiro), é matar e capar o estuprador de sua noiva, Camila
(Barbara Borges), ela também uma gaúcha da fronteira. O corpo que fere, portanto,
tem de ser ferido. Enquanto é pressionado pelo pai e pelo irmão da noiva a cumprir
a tradição de lavar a honra da donzela e a sua própria, Miguel adia o momento
do ritual de sangue para ter certeza sobre a culpa de sua vítima (um estudante
de oceanografia com pinta de lutador de jiu jitsu), mas também porque está de
rolo com a irmã do suposto estuprador, Carol (Branca Messina). O vingador está
de rabo preso ou preso no rabo solto. Estamos
em um jogo de forças físicas e culturais com o corpo. No estupro, vislumbrado
em alguns momentos no flashback da memória do filme, um corpo agride, outro
é agredido. Uma nova agressão se anuncia a partir dessa primeira. No entanto,
quando o vingador esbarra na irmã do provável estuprador, ele é quase estuprado.
Se na fronteira gaúcha o corpo feminino tem ares de sagrado, no ambiente da juventude
carioca de classe média, ao qual Miguel tem acesso, o corpo da mulher é o da caça
e o da caçadora, embora sem violência. De um lado, corpo a ser preservado. De
outro, corpos em expansão na relação com os outros corpos. Sendo
este um filme calcado em desenho de personagens, mas com uma história já em andamento
e modeladora do destino desses personagens, pressupõe-se um grau mínimo de dramaturgia
audiovisual. Aposta-se, porém, na redução. Se parece interessante a opção pela
informação a conta gotas sobre os tipos a entrar em cena, deixando-nos sem saber
ao certo para onde o filme pretende se encaminhar, é empobrecedor transformar
cada tipo em duas ou três características – ainda mais quando, acima de tudo,
eles precisam, em relação a uma moral do corpo, serem definidos como liberais
ou conservadores, cariocas urbanos ou gaúchos da fronteira. Nenhum conflito é
possível de ser desenvolvido quando está dado de antemão. Em um primeiro momento,
esse reducionismo está nas palavras. Se o vingador da fronteira é caladão e observador,
com fragilidades facilmente identificáveis para nos mostrar como é diferente do
padrão de macho gaúcho empenhado em capar o estuprador, Carol, o modelo da carioca
de corpo livre, é uma tagarela cuja lascívia está em cada frase salivada. Por
conta do desenho da personagem ou por caminhos de interpretação, essa figura está
sempre ameaçada de ser um emblema de juventude perdidinha, talvez com algum parentesco
com a personagem de Leandra Leal em Nome Próprio, de Murilo Salles, mas
sem a complexidade e intensidade daquela garota. Isso poderia ser um detalhe superável
se o desfecho de situações e personagens, em vez de ser ater às questões em jogo,
não inventasse uma saída mirabolante, absurda e quase surrealista. Há um insólito
reencontro entre o estuprador e sua vítima para um acerto de contas, colocando
abaixo qualquer aposta em coerência interna e sedução da crença na plausibilidade
das situações. Se o filme começa com algum cultivo do mistério, ao não nos entregar
as informações todas de uma vez, ele termina com cultivo do inexplicável, como
se tivesse nos escondido algo sobre o qual deveríamos saber, ou, pior, como se
tivesse tirado um coelho de uma cartola. Não se pode discorrer
sobre as opções estéticas de Vingança, ao menos não sem cairmos em retóricas
vazias, porque, pelo que se vê, a estética não é exatamente uma questão para o
filme. Se visualmente a relação entre câmera, atores e espaços está longe de ser
ofensiva aos olhos, se as imagens não são exatamente toscas em suas formulações,
também não se vê nenhum desafio na opção por uma câmera em deslocamentos suaves,
muitas vezes acompanhando os atores em caminhadas, algumas vezes com uma luz azulzinha
em determinados ambientes. Não podemos esperar de um projeto como esse subversão
ou inventividade, sequer rigor, mas sua anemia visual apenas acentua o disparate
dramático. O diretor Paulo Pons, com Vingança, inicia
projeto maior. Ele planeja rodar quatro longas com orçamentos minúsculos. Sua
empreitada é de produção e não de caminhos estéticos, talvez planejando uma inserção,
com pouco dinheiro, em uma fatia de filmes semi-populares para a classe média,
para o segmento de espectadores sem interesse especial por cinema, sem rigor crítico,
para o qual uma sucessão de acontecimentos, regida por situações chaves (desejo,
pressão, vingança), são suficientes para não sair da sala de exibição. Quase nada,
enfim Dezembro de 2008editoria@revistacinetica.com.br
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