in loco - cobertura dos festivais
Vertigem Branca, de Breno Silva, Dellani Lima e Simone Cortezão (Brasil, 2012)
por Raul Arthuso
Anacro-crise
Uma expressão ecoa em Vertigem Branca:
"estruturas modulares". Essas palavras são recorrentes
ao longo da projeção, deixando clara a estrutura
formal do filme: uma série de esquetes performáticas,
que se assemelham em seus motivos mas que diferem nas minúcias
que compõem cena (o espaço), quadro (cenografia,
figurino) e plano (movimentos, tempos, posições
de câmera). Mas, principalmente, o mais marcante é
a repetição desses motivos ao longo do filme, como
módulos de fato, que fazem a articulação
do todo parecer guiada pela aleatoriedade e a independência
das partes.
Para além da significação mais elementar
da estrutura fílmica, a principal sensação
diante de Vertigem Branca é de se estar diante
de uma obra impregnada pelo cinema da virada dos anos 1960 para
os 1970, já que certas composições dos "performers"
no quadro e situações musicais, a dança e
o enfrentamento direto com a câmera ecoam o Bressane de
O Anjo Nasceu e Matou a Família e Foi para
o Cinema. Há, em Vertigem Branca, uma melancolia
frente oa descompasso do mundo semelhante a esse momento histórico
do cinema brasileiro (após o AI-5), num mundo apocalíptico
onde o artista vaga pelos espaços vazios sem um rumo devidamente
indicado, e apenas pode repetir sua performance ad infinitum
com pequenas variações, como que condenado
a uma repetição serial para um espectador que, se
identificado com o ponto de vista da câmera, está
ausente no local e momento da performance.
A própria relação do realizador com a performance marca o desespero silencioso que atravessa o filme. Uma cena é emblemática: um homem e uma mulher dançam a passos suaves e sincronizados mas, ao longo da dança, passam a não mais se encontrarem na sincronia que o ato pede. Esses passos desencontrados são o motivo com sinal invertido da famosa cena de dança de Fred Astaire e Cyd Charisse no Central Park em A Roda da Fortuna de Vincente Minnelli, uma progressão rumo ao literal descompasso com o outro. As personagens sem nome, sem passado, sem profundidade psicológica, sem urdidura ficcional, estão fadadas à solidão e à impossibilidade de um diálogo. Ou adaptando os termos empregados por Ismail Xavier em Alegorias do Subdesenvolvimento no contexto da nação para a condição do artista que Vertigem Branca especula, a fratura é um destino e não um estágio.
Por outro lado, não se pode negar que há uma forte carga de anacronismo em tentar traduzir a situação do trabalho do artista com as ferramentas encontradas pelo cinema de quarenta anos atrás para discorrer sobre o descompasso da nação. Não estamos mais na ditadura militar, nem tivemos nosso futuro abortado e não é essa desesperança que o filme investiga, mas outra aparentemente diversa. Nesse sentido, Vertigem Branca beira o fetichismo, especulando sobre um descompasso, uma crise e um vazio codificados há pelo menos trinta anos no cinema, sem contudo trazer novos dados - armadilha que Os Monstros, dos Irmãos Pretti e primos Parente, escapa ao formular uma possível saída, ainda que ela leve a novas armadilhas.
As ruínas, os espaços vazios - mote saído direto de Os Residentes, de Tiago Mata Machado, mas desnaturado do questionamento estético e da desconfiança em relação à arte que o filme traz - reelaboram a crise, a distopia, a defasagem entre ideal e factual. Vertigem Branca, assim, reitera certos chavões e normatiza algumas formas alegóricas que discutem essa crise há pelo menos algumas décadas. O eterno vaguear - e vaguear sem chegar - da derradeira performance do filme é uma relação dependente de uma parte do cinema com a crise.
Janeiro de 2013
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