Veias e Vinhos, de
João Batista de Andrade
(Brasil, 2006)
por Eduardo Valente
Uma
tragédia brasileira
O tempo não tem feito bem a alguns cineastas brasileiros.
Depois de termos a experiência de assistir este ano à metamorfose
do Antonio Carlos Fontoura que realizou pérolas como Ver/Ouvir
e Copacabana me Engana no diretor de Gatão de Meia-Idade
e No Meio da Rua, as últimas semanas nos deram mais um
choque com este fenômeno que já se configura um tanto trágico:
será que o João Batista de Andrade que reapresentou no recente
Festival do Rio seu lindo O Homem que Virou Suco, de 1980,
é o mesmo diretor deste Veias e Vinhos (ou ainda, para
recuarmos um pouco, de Rua 6 Sem Número ou O Cego que
Gritava Luz)? Difícil crer, mas sim, são a mesma pessoa.
Veias e Vinhos é um filme que nasce morto.
Ou melhor, são dois filmes. O primeiro dura mais ou menos uma
hora e vinte, e nele impressiona a ausência de qualquer potência
narrativa. Ao longo de todo este tempo, João Batista parece querer
nos plantar no cotidiano de uma família brasileira enfrentando
as dificuldades para sobreviver no fim dos anos 50, começo dos
60. Só que o filme não consegue traçar nenhum caminho de pregnância:
não há de fato uma narrativa no sentido da estrutura dramática
tradicional (não se estabelecem conflitos a serem resolvidos,
por exemplo), mas também não se consegue dar vida à simples observação
daquelas pessoas, que têm dificuldades de se firmarem como personagens
de fato. Assistimos com algum incômodo uma seqüência de situações
que não consegue criar empatia alguma com o que está na tela,
até que surge a seqüência de “choque de realidade” no filme –
que, aliás, seja pelo simples contraste com o entorno morto-vivo,
seja por qualidades próprias, inegavelmente ganha nossa atenção.
No
entanto, a partir daí entra em cena o segundo filme: a didática
exposição de um “sistema cruel e viciado”, que remete aos anos
da ditadura, mas obviamente quer ir além disso, mas que patina
no quase absurdo esquematismo dos seus personagens, que em nada
é ajudado por um registro teatral de quase todo o elenco (constrange
em especial a conversa dos meninos que dá começo à seqüência traumática,
a tontura no alto da mangueira e a cena da entrevista coletiva
do delegado – certamente a figura mais caricatural do filme).
É particularmente desagradável ver o mesmo grande José Dumont
de O Homem que Virou Suco relegado a um já conhecido papel
de “maluquinho trágico”, que nada adiciona ao filme – como, de
resto, é impressionante a inexistência de sentido da entrada em
cena da personagem de Eva Wilma.
Seja pelo subtítulo explicativo (“uma história
brasileira”), seja pela escolha do nome do principal cenário do
filme (Armazém Brasil), está claro que João Batista ainda quer
refletir sobre o Brasil, como nos seus melhores trabalhos (além
do Homem..., pensamos no País dos Tenentes). Mas,
infelizmente, este seu novo filme sofre de uma enorme falta de
conexão com o Brasil de hoje – não por se localizar historicamente
no passado, mas principalmente por parecer tão distante da realidade
da produção de imagens contemporâneas, ficando relegado a uma
participação quase apagada do contato com o espectador de hoje.
Esperamos que o cineasta possa reencontrar a relevância que já
teve, há nem tanto tempo assim, na cena brasileira – para além
da sua atuação política constante.
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