Valsa
para Bruno Stein, de Paulo Nascimento (Brasil, 2007) por
Francis Vogner dos Reis Talking
Heads e a morte da palavra
Em alguns casos (Mojica,
Candeias), dizer que um cineasta filma como se ninguém nunca tivesse filmado antes
deles, é um elogio que supõe que o seu trabalho parece ser o de reinvenção do
meio, das ferramentas cinematográficas. Pois, depois de oitenta anos de mudanças
e invenções no cinema sonoro-narrativo temos a chance de ver em Valsa para
Bruno Stein um filme que parece ignorar o que se fez entre 1928 e 2008. Um
filme que desconhece – com grande espírito de firmeza – os recursos mais básicos
do cinema narrativo, da decupagem clássica, enfim, do básico artesanato cinematográfico.
Que nos lembra como até para ser acadêmico e careta é preciso alguma habilidade.
No caso de Paulo Nascimento, o que está exposto é uma série de ilustrações com
gente falando, algo muito mais acomodado que os filmes de gente como Lowell Sherman
na década de 30. Filme de “cabeças falantes”, com o requinte “cinematográfico”
do plano e contra-plano, com o luxo de alguns poucos travellings e gruas
que o orçamento permitiu, mas que não se traduzem em nenhuma lógica cênica pertinente.
Protagonista em casa, sai para a varanda... travelling. São um plus,
mas no cinema o que vale é o essencial e o essencial é sempre uma questão moral. Fritz
Lang fez do plano e do contra-plano, uma coisa simples que ainda hoje não se compreende
totalmente: dialética. Distinguir pessoas, espaços, encontrar um lugar pra cada
coisa. Confere contorno, propõe construção. Em Valsa para Bruno Stein essa
não é uma questão. O plano e o contra-plano atentam contra o cinema. Nos dão a
visão do personagem e mata a palavra que sai da boca dele. Nascimento gosta de
filmar cabeças: cabeças que falam, fotografias de gente falando. Se a palavra
é morta e a figura humana vazia, a vastidão das locações faz dos personagens hiatos
no meio de dois nadas. Um filme niilista? Não, porque não consegue colocar nada
em crise. Um anti-filme? Não porque o anti-filme demole concepções conciliadoras
do cinema. É um quase melodrama. Um filme que não afirma uma visão do homem, não
afirma uma visão de mundo nem de cinema. Paulo Nascimento
se baseou no livro homônimo de Charles Kiefer, mas não se sabe exatamente que
aspecto do romance interessou ao diretor. Existem as chateações introspectivas
do alemão Bruno Stein (Walmor Chagas), um velho insatisfeito e ponto final. Mas
a partir disso temos a paixão (correspondida e recalcada) de Bruno Stein pela
nora (Ingra Liberato, bela e chorosa), o desagrado com a rotina familiar, a aparição
de Gabriel, recém-empregado na olaria de que o senhor Stein é dono (e que se transforma
em protagonista de uma trama paralela), a tentativa do velho em dar vazão aos
seus anseios na escultura e etc. Todas essas situações são elementos espalhados
pelo filme, com fracos elos entre si. Até cenas que pedem por um tom têm o efeito
contrário, como o sonho em que Bruno Stein vê um homem tocando violino no escuro,
parcialmente iluminado por uma luz amarelada, e que diz: “Bruno Stein não gosta
de valsas, então uma valsa para Bruno Stein!”. Parece cena saída de Heróis
da Decadênsia (sic) de Tadeu Jungle, com a diferença de que o vídeo de Jungle
pedia – e conseguia – o riso desbragado. É óbvia a busca
por respeitar o texto original, o que torna tudo espremido e mal organizado, uma
coleção de trechos decisivos e dramáticos. Não há exatamente conflitos, mas estados
de ânimo. Se drama é condensamento de ação, aqui só se têm aborrecimentos esparsos,
fragmentários, porém, sem querer ser fragmentado. O que Valsa para Bruno Stein
tem de realmente dramático é a sua tentativa de respeito ao livro, que o transforma
em uma comédia involuntária, não como gênero, mas como equívoco antológico. Ultimamente
temos visto alguns filmes adaptados de livros que visam um gênero e soam como
outro, como Batismo de Sangue (drama histórico que soa como um torture
porn) e Olga (drama biográfico que virou paródia histórica). Mas o
filme de Nascimento vai mais longe. No início era a palavra (o livro), no fim
(o filme) também, mas já a encontramos morta, vazia de sentido, um arremedo, o
cinema transformado em arte de segunda classe, em expressão mecânica, fria e sem
vigor. Legitima toda aquela argumentação que no passado – e hoje às vezes – justificava
o cinema como arte menor que só se fazia a partir da vampirização de outras. Tudo
que sinaliza valor para o drama tais como a casa como personagem e espaço dramático,
a eminência do passado, o tédio, a proximidade da morte, a solidão, o desejo,
enfim, questões sérias se trabalhadas também com seriedade, aqui Paulo Nascimento
credita a elas um valor em si mesmas independentemente de sua abordagem. Só que
como de praxe na vampirização, o que é sugado do outro (no caso o livro de Charles
Kiefer) não serve para dar vida, mas para confirmar a falta dela. É
necessário pedir de um filme o melhor que ele pode dar, não importa a época, a
procedência e as condições. A coisa não é simples: às vezes, mesmo em um mau filme
fica evidente o grande talento de um diretor, assim como em outros casos um bom
filme revela um cineasta tão e somente eficiente. No caso de um filme ruim é necessário
todo um cuidado na argumentação do crítico para colocar em questão e em perspectiva
o que não foi bem realizado, confrontar o objetivo do diretor com a execução –
quando existe, claro, um esforço conceitual. Não se trata de “pegar leve” com
alguns cineastas, mas dar o retorno que seu trabalho exige, porque falar de um
filme, como por exemplo, O Maior Amor do Mundo, de Carlos Diegues (pra
falar de um filme muito frágil, mas que prima por personalidade), é lidar com
idéias que se forem tratadas de qualquer jeito, faz da crítica um ato de estupidez
que sempre será inferior ao mau filme. Esforços estéticos mal sucedidos são a
coisa mais comum do mundo, senão um fato quase hegemônico. Mas o que falar de
um filme que sequer parece tatear um projeto cinematográfico, não aderindo nem
mesmo a um pesado academicismo ou a uma pura e simples diluição? Junho
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
|