in loco - cobertura dos festivais
Adeus, Primeiro Amor (Un Amour de Jeunesse),
de Mia Hansen-Løve (França/Alemanha, 2011)
por
Fábio Andrade
Controlar
a água
Em dado momento de Adeus,
Primeiro Amor, quando o trauma do primeiro rompimento começa
a ser esgarçado pela passagem do tempo e uma primeira nesga
de luz parece apontar no fim do túnel para Camille (Lola
Créton), seu então professor Lorenz (Magne-Håvard
Brekke) faz um desenho na parede e define o mundo: “A água
é controlada, mas ela é livre”. Há,
nesta cena, mais do que um simples conselho arquitetônico;
ela é, de fato, uma declaração de princípios
da própria diretora, Mia Hansen-Løve, que será
repetida na canção “The Water”, de Johnny
Flynn e Laura Marling, que fecha o filme: the water sustains me
without even trying. Todo o exímio controle de Mia Hansen-Løve
em seu terceiro filme vem justamente para criar a sensação
de que ele é dirigido para parecer que dirige a si próprio,
e o mesmo acontece com nossa fruição. O filme é
controlado, mas ele é livre, inevitavelmente livre.
Essa postura parece dimensionar com alguma precisão a enorme
distância entre as margens onde se colocam, de um lado,
as diversas tentativas recentes de se aproximar do universo jovem
no cinema brasileiro e, do outro, a absoluta maestria com que
Mia Hansen-Løve aborda a mesma fase da vida neste seu terceiro
filme – a rigor, o segundo sobre a juventude, que também
agraciava o excelente Tudo Perdoado. Pois, mais do que
um simples recorte geracional, a juventude em Adeus, Primeiro
Amor é uma atitude realizadora que contamina o filme.
Mia Hansen-Løve pega a deliciosa flutuação
no presente da fase de coração leve de Eric Rohmer
(O Amigo da Minha Amiga; Pauline na Praia; Conto
de Verão) mas a confronta à maior habilidade
que a diretora vem demonstrando desde seu primeiro longa: filmar
a iminência de um desaparecimento. Pois as elipses violentas
de Adeus, Primeiro Amor, muito ao modo de Pialat, reforçam
que tudo – do primeiro namorado ao próprio frescor
da juventude – parece estar sempre por um fio, correndo
o risco de ser dizimado pela chegada do segundo seguinte.
É
interessante, porém, que toda essa sensação
de vida a correr – de um filme que jorra como um rio, em
imagem que será retomada em momentos decisivos –
vem de um controle absolutamente justo, que coíbe ao anacronismo
o velho binômio de “opacidade” e “transparência”.
Nesse sentido, Adeus, Primeiro Amor é oposto ao
Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet: enquanto,
no filme de Cantet, a forte impressão de realismo acabava
engasgando no gatilho, chamando tanta atenção para
o quão precisa era sua construção que, ao
fim, olha-se apenas para a construção e não
para o que ela constrói, no filme de Mia Hansen-Løve
a absoluta evidência do toque da diretora (a orquestração
dos vermelhos; a maneira como toda fala é escrita para
não criar qualquer continuidade narrativa; a forma como
as elipses eliminam qualquer casualidade da montagem, ordenando
as sequências como um raccord de sentimentos, mantendo-se
irredutivelmente fiel ao que é importante para a protagonista
e, logo, para o filme; a forma como as estações
do ano compõem com os humores da personagem) conduz o olhar
inevitavelmente para dentro do quadro e para o acompanhamento
vidrado de cada passo de Camille.
Esse apego absolutamente material às presenças, e à misteriosa projeção de sua própria fantasmagoria é, antes de mais nada, ferramenta de imersão no universo filmado. Pois é justamente a iminência do fim que faz com que Mia Hansen-Løve encare as dores adolescentes com o peso e a seriedade que elas demandam. Ou seria o contrário? De qualquer forma, temos aqui uma empatia ao sofrimento da saudade e da espera que só encontra paralelos no cinema recente em Brilho de Uma Paixão, de Jane Campion. O interesse pelos jovens não visa a catalogação de seus símbolos de juventude, o acompanhamento de suas rotinas comportamentais, ou a fetichização de sua nada fetichizada sensualidade (e sensualidade é o que não falta em Adeus, Primeiro Amor). O interesse é justamente o de filmar cada minuto de existência como um filme de suspense – uma vez que a vida adulta está sempre à espreita, ameaçando destruir tudo que se conhece em um segundo determinado e impossível de se prever – e de captar toda a monumental decepção de uma caixa de correio vazia.
Novembro de 2011
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