ensaios
Um Mundo Misterioso (Un Mundo Misterioso),
de Rodrigo Moreno (Argentina, 2011)
por Filipe Furtado
Um
mundo indiferente
Um
Mundo Misterioso é essencialmente um aprimoramento
de O Guardião, estréia de Rodrigo Moreno
na direção. Repetem-se aqui muitas das mesmas
qualidades e defeitos do filme anterior, com a vantagem de que,
ainda que tão prisioneiro da sua estrutura quanto era O
Guardião, ao menos Um Mundo Misterioso não
afunila progressivamente em direção a um final tão
inevitável quanto estúpido. Aqui temos um homem
chamado Boris (Esteban Bigliardi), que é abandonado pela
namorada, a vagar pelo mundo sem um verdadeiro objetivo, agora
que está fora de uma relação: compra um carro,
vai à festa de um amigo, vaga pelas ruas, puxa conversa
com uma garota no bar, passa uma noite como aprendiz de mecânico
numa oficina, etc.
O único objetivo do protagonista é forjar uma conexão
genuína com alguém, como se dessa maneira pudesse
substituir a relação recém encerrada. Se
a proposta dramatúrgica do filme brota do seu título,
a prática das imagens de Rodrigo Moreno sugere menos um
filme sobre os mistérios do mundo do que um filme sobre
a completa indiferença deste mundo para com seu personagem
central. No meio de todas as situações em que Moreno
tenta colocar Boris em contato com o outro, a sua insignificância
nunca diminui. Assim como o guarda-costas de O Guardião,
é a mediocridade de Boris, afinal, que o torna objeto de
interesse para Um Mundo Misterioso. Nada no seu drama
pode realmente ressoar em específico, logo a sensação
constante de enfado e indiferença que Boris desperta no
mundo a sua volta. O que de mais consistente Um Mundo Misterioso
revela é a relação que aos poucos estabelece
com Buenos Aires. Quando está em locações
externas, a câmera impiedosa de Moreno parece entrar em
sincronia com este espaço e sugere toda uma relação
complexa e brutal entre dar e receber da cidade para com seu protagonista,
o que por muitas vezes carrega o filme por seqüências
inteiras antes de ele voltar a sucumbir ao peso do seu jogo formal.
Se
Um Mundo Misterioso é um passo à frente
na carreira de Moreno, ele o faz sem retirar-lhe da prisão
estética que construiu para seus filmes e personagens.
Tudo é filmado com o mesmo olhar formalista eficaz, se
previsível, em particular a forma com que descreve o isolamento
e insignificância de Boris. A câmera impassível
do cineasta é seu grande trunfo, capaz de construir seqüências
fortes, mas também seu limite, pela sua incapacidade de
se adaptar às mais diferentes situações que
se propõe a filmar. Todo o registro de Um Mundo
Misterioso é exatamente o mesmo, e isto com freqüência
reduz o filme a pouco mais do que outra carta de apresentações
de um formalista estudioso e eficiente e tão insignificante
quanto os personagens que elege acompanhar.
Outubro de 2011
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