Todo Mundo tem Problemas Sexuais,
de Domingos Oliveira (Brasil, 2008)
por Francis Vogner dos Reis

Derrota do cinema

Como boa parte dos trabalhos de Domingos de Oliveira nos últimos anos, é certo que a primazia nesse seu Todo Mundo tem Problemas Sexuais é do texto, do timing dos atores e seu gestual. Seu cinema recente se aplica a compreender – e extrair – o ritmo do ator, suas variações; a câmera e a montagem se encarregam de organizar esses “estados” emocionais. O que, convenhamos, não é nada simples. Mas, apesar desse ponto em favor de Domingos Oliveira, existe a tentação do diretor em fazer da câmera uma ferramenta de reprodução de suas experiências no teatro, sem problematizá-las, e este é um dos motivos que estimulam algum desleixo formal nas composições e enquadramentos aqui. A explicação do diretor no prólogo de alguns de seus filmes ratifica essa idéia de cinema como meio do diretor para ampliar as possibilidades de suas peças teatrais. Importa, antes de tudo, o que Domingos Oliveira tem a dizer. O cinema se subjuga às suas idéias.

Todo Mundo Tem Problemas Sexuais é, aparentemente, seu filme mais direto no que tange essa crise entre cinema e teatro. Oliveira divide seu filme exatamente como a peça, em cinco cartas baseadas em experiências supostamente reais. Todas as histórias falam de sexo, de problemas sexuais. Pedro Cardoso, o talentoso ator que virou “arauto-anti-gente-pelada-no-cinema” é protagonista da maioria deles. As histórias são engraçadas, a perspicácia do texto cheio de besteiras é razoável, Domingos Oliveira é carismático, Pedro Cardoso também, Priscila Rozenbaum tem brilho. Mas o conceito todo é um equívoco.

Em Todo Mundo tem Problemas Sexuais não existe diálogo (possível) entre cinema e teatro e nem a reprodução (impossível) do teatro no cinema. Não adianta montar paralelamente imagens das peças com as reencenações para o cinema, nem revelar o palco como sagrado espaço que o diferencia da modulação espacial de um quadro cinematográfico, porque a diferença fundamental entre ambos não está ai. O erro central é achar que em um filme (note-se bem: em um filme) é possível distinguir cinema de teatro, mantê-los em suas “incorruptíveis naturezas”. Assim, só conseguimos apreender registros precários das encenações de teatro, que chegam a dar inveja, porque se vemos uma só coisa, é que lá no teatro, naquele instante, tudo estava muito mais interessante e divertido no que no filme que estamos vendo. Em paralelo a isso, as historietas do espetáculo reencenadas para cinema, estão tão presas ao espírito – e à velocidade – teatral que as originou que raramente funcionam, resultando no trabalho cênico mais capenga da carreira do cineasta.

Tanto nos registros documentais no teatro, quanto nas reencenações, o frescor, a tal da “mágica” do teatro de que o próprio Domingos Oliveira fala no prólogo parecia estar intacta nos momentos de apresentação do espetáculo que a câmera registrou – mas o cinema (este filme) fez nada mais que uma reprodução invejosa e cadavérica do tal instante “mágico”.

Outubro de 2008

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