in loco - mostra de tiradentes 2009
Nono dia: Discreta admiração
por Fábio Andrade
Loki
- Arnaldo Baptista, de Paulo Henrique Fontenelle
É
interessante que a 12a Mostra de Tiradentes tenha escolhido encerrar
a programação da tenda principal com Loki, documentário de Paulo Henrique
Fontenelle sobre a impressionante vida de Arnaldo Baptista, gênio musical dos
Mutantes. Interessante, pois se a programação dos curtas já dissolvia uma gaveta
mais determinada de curadoria, aqui ela é explodida de vez: é difícil imaginarmos
um documentário de abordagem mais tradicional do que esse Loki. De
carreira mais constante como diretor de programas do Canal Brasil do que como
realizador de cinema (embora seu curta Mauro Shampoo tenha sido premiado
pelo público de Tiradentes, em 2007), Paulo Henrique Fontenelle usa, em Loki,
toda a transparência de linguagem consolidada
por anos de massivo telejornalismo. Com isso, o filme dispara, logo em
seus primeiros minutos, aquele embolorado conflito entre a maneira de se documentar,
e o centro de interesse desse documentário. De todas as personagens possíveis
e imagináveis, Arnaldo Baptista estaria, seguramente, entre as que menos suscitaria
uma abordagem tão convencional para a sua história. Pois, de louco, Loki
não tem nada; estamos diante de um discurso que, embora fragmentado pelas diversas
falas, raramente põe em contradição uma lógica que o norteia, reduzindo as falas
originais em uma organização que praticamente anula as particularidades de quem
as articula. Há, no filme, esse desejo de se traçar a história; de esvaziar
os rostos e a interpessoalidade de cada uma daquelas relações com um status
de onisciência, de distância narrativa. É preciso, porém,
se ater às particularidades do filme antes de reagir às superfícies genéricas
das escolhas do realizador. Em primeiro lugar, por Fontenelle lidar com uma história
que guarda poucas surpresas. Os grandes ápices dramáticos da trajetória de Arnaldo
Baptista (a relação com Rita Lee; o acidente que quase lhe custou a vida; o reconhecimento
internacional; os anos de silêncio que o separaram do irmão, Sérgio Dias) são
tão familiares àqueles que acompanham minimanente a história da música (a rigor,
o público que mais provavelmente assistirá ao filme) que a transparência buscada
por Fontenelle na construção desse discurso ressalta entrelinhas silenciosas,
mas extremamente eloquentes – como o fantasma de Rita Lee, ausente como depoente,
mas presente nas imagens de arquivo e na vida subsequente de Arnaldo Baptista,
seja pelas pinturas em que trabalha, ou pela aproximação física aparentemente
buscada por sua atual mulher. Mas
em segundo lugar, e mais importante, por essa estrutura – mofada e maltratada
por décadas de abuso – ganhar misteriosos sopros de vida que não vêm da manipulação
de suas armações, mas sim da força do material captado por Fontenelle. Por isso,
a resistência inicial à convencionalidade da abordagem é facilmente transposta
pelo sopro de presente que toma o quarto final do filme – em especial a turnê
de reunião, marcada no filme com shows em Londres e em São Paulo. Loki
ganha, aí, uma força bastante intensa, pois parece registrar a concretização de
seu próprio desejo: rememorar a história de Arnaldo e os Mutantes, sem nunca esquecer
que essa história continua viva, ativa e presente. Se torna, aí, uma comemoração.
A loucura genial e extraordinária de Arnaldo Baptista parece se sobrepor ao filme,
e a Paulo Henrique Fontenelle cabem os méritos de não ter tentando reproduzi-la,
induzi-la ou anulá-la; mas sim confiar que a força do artista e de sua história
seriam, de fato, maiores que o filme. Mais do que isso, que ela seria o filme
– algo que Loki comprova, construindo momentos bastante emocionantes, com
uma discreta, mas apaixonada admiração. Janeiro de
2009editoria@revistacinetica.com.br
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