in loco - mostra de tiradentes 2007
Sétimo dia: O personagem que não estava
lá por Francis Vogner dos Reis
Onde Andará Dulce Veiga?,
de Guilherme de Almeida Prado (SP, 2007) – Vertentes Corpo, de Rossana
Foglia e Rubens Rewald (SP, 2007) - Aurora Amigos de Risco, de Daniel
Bandeira (PB, 2007).- Aurora Nada mais diferente do
maneirismo kitsch de Guilherme de Almeida Prado em Onde Andará Dulce
Veiga? do que a frieza e a luz dura de Corpo, de Rossana Foglia e Rubens Rewald,
que por sua vez contrasta com a jovialidade e o ritmo cadenciado de Amigos
de Risco, de Daniel Bandeira. Mas, se na lógica de produção, na concepção
formal, nas matrizes das quais descendem cada um desses filmes não vemos quase
nada de semelhante, os três lidam com personagens ausentes – mesmo quando se conta
com a cabal evidência do “corpo” desses personagens. Segundo
o diretor Guilherme de Almeida Prado antes da apresentação de seu filme no Cine
Tenda, em Onde Andará Dulce Veiga? (baseado em livro de Caio Fernando Abreu)
ele buscou fazer um filme na contramão das tendências mais atuais. Na verdade,
além de seu novo filme ser mais um “filme de Guilherme de Almeida Prado”, é um
trabalho que se volta ao que o cinema foi um dia – não exatamente da maneira como
sempre fez (reprocessando signos e referências do cinema americano das décadas
de 40 e 50), mas voltando-se ao próprio cinema do autor. A busca do jornalista
Caio pela antiga estrela desaparecida Dulce Veiga (Maitê Proença) é também a busca
de Almeida Prado pelo seu cinema e pelo “lugar” de seu cinema. É um trabalho de
revisão e de questionamento sobre, não só sua identidade, mas a validade dela.
Uma personagem ausente e um cinema desaparecido. Já
Corpo conta com um ponto de partida instigante: no IML de São Paulo chega
um corpo que estava enterrado junto a ossadas que datam da década de setenta.
O corpo, intacto, é supostamente de uma garota presa e torturada durante o regime
militar. O IML prefere ignorar a possibilidade e um legista vai atrás de respostas
até que marca um encontro com uma garota que vai reconhecer o corpo, e que é idêntica
à falecida. Poderíamos ter a verdadeira identidade do corpo como um princípio
fantasmático (o que parece em princípio), assim os vácuos que naturalmente a trama
tem seriam um jeito de examinar as tentativas de reconstrução (ou simplesmente,
destruição, queima de arquivo) da história. Um corpo, uma evidência. Dois corpos
idênticos, mais um nome, são três evidências. Essa é a potência do filme, que
pareceu um tanto tímida para atingir o que pretendia: imagens do passado que servem
como flashback (contextualizam, dão a informação, completam o presente).
O que fica é a impecabilidade de uma trama “fechada”, onde os vácuos, as imprecisões,
talvez fossem mais precisas. O
pernambucano Amigos de Risco, do estreante Daniel Bandeira, é uma crônica
noturna de um grupo de amigos que saem pela noite do Recife: um deles tem uma
overdose, os outros dois tentam carregá-lo até o hospital e, no caminho, enfrentam
uma série de obstáculos – sendo que o maior deles é o próprio corpo desfalecido
do companheiro. Amigos de Risco é um trabalho especial entre os filmes
do dia: é um filme vigoroso, notadamente realizado de maneira urgente. Não existe
ali uma necessidade de tentar se justificar pelo tema ou de se filiar a alguma
corrente estética ou se afirmar como um filme regional. A câmera digital usada
pelos realizadores tem essa força de se vincular diretamente à realização do filme
como um processo, seja pela mobilidade ou pela proximidade que ela supõe e emula.
Ele tem esse vigor de primeira experiência (seja em curta-metragem ou longa),
porque agrega erros, limitações de sua própria condição e acredita que o filme
se faz com isso. Como em outros filmes presentes no festival (Ainda Orangotangos,
de Gustavo Spolidoro, ou Meu Mundo em Perigo de José Eduardo Belmonte)
não existe a ânsia do filme perfeito, do filme padrão, mas sim a busca por um
filme único. São diretores fazendo filmes que eles mesmos gostariam de assistir,
fazendo filmes sobre o que conhecem e sobre o que gostam – coisas que, inclusive,
há anos se reclamava que os diretores não tinham e não se interessavam. Janeiro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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