in loco - mostra de tiradentes 2007
Quinto dia:
Novas tendências do audiovisual e algumas velhas questões

por Francis Vogner dos Reis

Jean-Luc Godard disse uma vez que a obra-prima do futuro seria um pai filmando o aniversário do filho. Claro que essa frase pode ser usada de maneira arbitrária e populista como se tudo produzido livre e casualmente no futuro (hoje?) tivesse um valor em si, pela simples liberdade de se fazer imagens de modo independente, ou, em uma outra visão, visto com aquele distanciamento crítico de quem nada entendeu, achando que existem "várias maneiras de se filmar o aniversário do filho e que Godard exagerou". De fato, existem várias maneiras de se filmar qualquer coisa, mas o que Godard quis dizer é que a obra prima não seria o fato em si, mas sim as condições do fato que poderiam gerar uma obra-prima. É como se a tendência do cinema com o tempo fosse a de se precisar menos, para se conseguir a liberdade de se fazer mais.

Não esperando uma obra-prima, mas sabendo que os novos suportes tecnólogicos, a hibridização entre eles, ou mesmo as pesquisas de novas maneiras para se usar o que é convencional são para onde apontam o cinema do futuro, a Mostra de Tiradentes resolveu problematizar a questão em um debate. Levando-se em consideração o conceito de curadoria da Mostra, um debate sobre as tendências do audiovisual contemporâneo seria aparentemente apenas mais um debate de reconhecimento de campo, de categorização de algumas tendências estéticas e de realização dos trabalhos com os quais os curadores e debatedores tiveram contato nos últimos tempos. Sim, o debate realizado por Beth Miranda (MG), Rafael Ciccarini (MG) e Cléber Eduardo (SP) realizou um mapeamento rigoroso da produção audiovisual brasileira contemporânea, identificando uma série de procedimentos, formas, suportes etc, mas também trouxe muito mais do que isso.

Beth Miranda falou, entre outras coisas, sobre uma tendência que, se não é nova, encontrou lugar na produção atual em vídeo: aqueles que relegam um olhar sobre o "nada acontecer", que preferem deixar com que o fluxo das coisas criem sentidos por si só. Uma das coisas para a qual Rafael Ciccarini – que também é um dos curadores da mostra de vídeo deste ano e editor da revista eletrônica Filmes Polvo – chamou atenção foram algumas modalidades um tanto rudimentares dessa produção, mas que a cada ano parecem ser mais comuns pela facilidade que a tecnologia proporciona: os vídeos preservacionistas, vídeos sem muito conhecimento prévio da linguagem cinematográfica mais básica e que dialogam com o referencial possível (para muitos dos vídeo) que é o da TV. A tendência preservacionista, como lembrada mais à frente no debate por Cléber Eduardo, tem um apelo para editais, mais pelo tema e pela relevância social do que por uma proposta estético-formal mais efetiva.

Cléber falou ainda de uma tendência de vídeos que crêem na autonomia dos fragmentos, em detrimento da harmonia do conjunto; do princípio dramático presente em alguns trabalhos que demonstra a impossibilidade da utopia "a dois"; dos personagens que possuem uma quebra na sua lógica de percepção do mundo e entram em colapso etc. Quem leu a entrevista de Cléber Eduardo sobre a curadoria da décima Mostra já notou que essas tendências apontadas por ele, Beth Miranda e Rafael Ciccarini já eram acenadas no ano passado. Seria então um desdobramento, com alguns elementos novos, mas que confirma uma "cena" e uma certa condição do audiovisual contemporâneo.

Mas velhas questões deram as caras quando da participação do público e dos jornalistas no debate. Entretanto, essas velhas questões apareceram menos em razão de uma suposta resistência do público aos diferentes suportes do audiovisual de curta duração, e mais porque os próprios festivais do país ainda fazem a grosseira divisão vídeo/película, relegando muitas vezes os vídeos às sessões de menor (ou nula) importância. Debates como esse sempre remetem ao vídeo como suporte com especificidades próprias, onde questões como qualidade de exibição e disparidade com relação à qualidade da película sempre aparecem. Não foi diferente aqui, quando a jornalista e pesquisadora Maria do Rosário Caetano justificou a divisão em razão da qualidade de exibição, o que foi rebatido por parte do público (composto inclusive de profissionais da área), que afirmou que muitas vezes o problema está no equipamento de projeção e não no material em si.

Se a futura obra-prima do cinema é o pai fazendo um video do aniversário do filho, isso, objetivamente, não se sabe. Mas o acaso, o improviso e a tecnologia que permite fazer muita coisa com muito pouco já é uma realidade.

Janeiro de 2008

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