in loco - cobertura dos festivais

O Acompanhante (The Walker),
de Paul Schrader
(EUA/Inglaterra, 2007)
por Eduardo Valente

Aparência é a alma

No plano com que abre O Acompanhante, Paul Schrader passeia longamente (enquanto os créditos iniciais passam na tela) pelo ambiente de uma sala de jogos, cuja decoração, aparência, ambiência em suma, Schrader parece querer nos dizer ser tão importante quanto as vozes que ouvimos ao fundo e que vão nos fazendo entrar na narrativa. De fato O Acompanhante é um filme sobre a adaptação (ou não) de seus personagens ao seu entorno: o que significa dizer, como descobriremos ao longo do filme, a conformidade dos ideais (pessoais e/ou ideológico-políticos) ao mundo de “faz de conta” e conchavos constantes de Washington, DC.

Embora o filme de Schrader tenha um óbvio subtexto político dentro do panorama contemporâneo (para além da citação direta a um episódio do governo Clinton e ao 11 de setembro, que deixam claro que os EUA de que se fala aqui não têm nada de “ficcionais”), que deixa a porta aberta a que ele seja entendido como uma crítica mordaz à administração de Bush e seus asseclas (especialmente o vice-presidente Dick Cheney), não parece ser este o ponto principal de interesse do diretor. A começar pelo fato de que o adversário político do presidente e seu partido (não citados pelo nome, mas bastante bem subentendidos) não sai-se muito melhor no filme, surgindo como uma figura distante da realidade (em quase todos os sentidos). Mas, principalmente, porque seu interesse por seus principais personagens, que são de fato o foco do filme, passa longe de uma sensibilidade político-partidária.

E aí chegamos ao protagonista, Carter Page III, foco absoluto do filme, numa interpretação de Woody Harrelson ao mesmo tempo altamente auto-consciente de seus trejeitos “chamativos”, e extremamente sutil na construção de um personagem nada fácil de tornar empático sem ridicularizar ou paternalizar. Harrelson consegue nos fazer crer na mistura de “malandragem” quase ilícita e lealdade quase ingênua que são lados opostos e complementares da personalidade de Carter, absolutamente essenciais para que nos relacionemos com o personagem. Ele está em cena quase todo o tempo, e é um desafio e tanto para Harrelson sustentar a força contracenando com uma Lauren Bacall ou uma Kristin Scott-Thomas.

Ao final, embora a opção de exílio feita por Carter pareça um desequilíbrio na balança de construção do personagem um pouco excessiva para seu lado “herói positivo”, não deixa de ter uma força pelo caráter de “cuspido e jogado fora” que tem este momento. O que o filme deixa claro para além de todo o resto é que, conforme a cena final com Scott-Thomas deixa bem claro, até se pode optar por uma vida em Washington (ou em qualquer outra capital/alçada macro-política), mas para isso é preciso deixar a alma do lado de fora e se tornar um verdadeiro boneco de um jogo cujas cartas são tão marcadas que chega a ser difícil se diferenciar. Uma constatação que, se não chega a ser exatamente nova, tem especial relevância para nós brasileiros, confrontados sempre com os dilemas e decepções do jogo político local.

Outubro de 2007


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