O
Nevoeiro (The Mist), de Frank Darabont (EUA, 2007) por
Fabio Diaz Camarneiro Perdidos
no nevoeiro
Uma tempestade no meio da
noite. Uma família assustada. Imagens que trabalham um medo sutil, porém eficaz:
o medo das forças da natureza, o medo do desconhecido. Dia seguinte, o saldo da
tempestade: uma árvore destruiu uma das paredes da casa de David Drayton está
destruída. Um problema que se torna menor frente à relação tumultuada entre ele
e seu vizinho. Em poucas cenas, O Nevoeiro estabelece uma de suas questões
centrais: o que devemos temer mais? A força da natureza (ou o desconhecido, num
sentido mais amplo) ou nosso próprio vizinho, outro ser humano? Não tarda e surge
o inexplicável nevoeiro do título, que esconde algo ameaçador. Acuados, algumas
pessoas se refugiam em um mercado. A situação de aprisionamento serve para criar
um microcosmo da sociedade (podemos lembrar das pessoas presas no shopping
center em O Despertar dos Mortos, de George A. Romero), e logo o filme
se transforma em uma metáfora política: como fazer algumas dezenas de pessoas
entrarem em consenso e agirem para o “bem comum”, quando ameaçadas? Será O
Nevoeiro mais um olhar sobre a América pós-11 de setembro?
Para
tanto, Frank Darabont parece criar, mesmo que inadvertidamente, um diálogo com
M. Night Shyamalan. Sobre o que trata A Vila, se não de uma sociedade isolada
e apavorada? E Fim dos Tempos não tem como mote o medo perante o inexplicável?
O paralelo com Fim dos Tempos vai além: os dois filmes têm um pai separado
de sua esposa, tentando proteger seu filho pequeno em meio a uma ameaça que se
aproxima cada vez mais do apocalipse. Mas as semelhanças parecem terminar aí:
na relação com os personagens, ficam mais evidentes as diferenças entre os dois
filmes. O que em Shyamalan é delicadeza, em Darabont se mostra escancarado – como,
por exemplo, nas falas da senhora Carmody, a fanática religiosa que, para azar
dos personagens, também está sitiada no mercado. Em
Fim dos Tempos, todos os personagens, sem exceção, mergulham numa espécie
de “loucura coletiva”: uma série de suicídios coletivos, que acontecem de maneira
inexplicável. Ninguém é confiável. Em O Nevoeiro, também não temos muitas
explicações para os acontecimentos da trama, mas aqui os personagens claramente
se dividem em duas categorias: os “racionais” e os “irracionais”. Shyamalan nos
convida a compartilhar o medo e as dúvidas de seus personagens. É simpático a
eles, aos seus enganos, a suas tolices. Por outro lado, Darabont claramente desaprova
o comportamento da senhora Carmody – que vai se tornando mais assustadora que
qualquer monstro que possa habitar o nevoeiro: uma louca cuja “loucura” não é
compartilhada pelo espectador e, logo, torna-se passível de julgamento. Os dois
únicos veredictos possíveis nessa equação são diametralmente opostos: os personagens
de O Nevoeiro dividem-se entre aqueles “a favor” da senhora Carmody ou
“contra” ela (e, nesse caso, a favor a razão, da ordem, da liberdade, da democracia
e do que quer mais que o filme esteja defendendo). Esse
discurso a favor do Estado laico, democrático e liberal é interrompido vez ou
outra pelo ataque das criaturas que se escondem dentro do nevoeiro. Nesse momento,
Darabont compromete um dos maiores trunfos do filme: a sugestão provocada pelo
nevoeiro, seu mistério inerente. Algumas das imagens mais belas do filme surgem
daí, quando os personagens se perdem dentro do invisível, do desconhecido. É um
medo transformado em imagem. Porém, quando coloca monstros asquerosos a perseguir
os personagens (e todos são perseguidos, sejam eles “lúcidos” ou “equivocados”),
Darabont acaba com a sugestão para fazer apenas um arremedo do que poderia ser
um interessante filme de horror. O Nevoeiro é a terceira
adaptação que Darabont faz de uma obra de Stephen King (depois de Um Sonho
de Liberdade e À Espera de um Milagre). Mas é a primeira vez que o
diretor parte para um horror mais explícito, com direito a insetos gigantes e
venenosos, corpos mutilados, pessoas servindo de casulo para insetos. Simplesmente,
as cenas não empolgam. Darabont conduz bem a narrativa e consegue criar boas cenas
de diálogo com os atores, mas é menos interessante nas cenas com ação física,
perseguições etc. O que nos leva a uma questão que fica sem resposta: será que
os filmes que partem de obras de Stephen King são tão melhores quanto menos horror
explícito eles contém? Carrie e O Iluminado apenas flertam com o
sobrenatural, enquanto Conta Comigo, Um Sonho de Liberdade e O
Aprendiz, nem isso. Perto do final, Darabont lança mão
de uma música (da banda Dead Can Dance) que soa como um clichê para remeter a
certa estupefação frente ao mistério. Ainda assim, resta tempo para Darabont "puxar
o tapete" de seu personagem principal, na tentativa de criar um final trágico.
Mas, como no resto do filme, temos apenas uma espécie de condenação moral. Como
se o diretor apontasse o dedo para o seu personagem, repetindo que toda tragédia
pode ser evitada quando certos procedimentos são seguidos à risca: pensar com
a cabeça fria e agir coletivamente. O que poderia ser um filme interessante sobre
o medo do desconhecido (coisa que Shyamalan faz melhor) ou mais uma metáfora sobre
a sociedade americana pós-11 de setembro (coisa que Shyamalan também fez melhor),
mostra-se apenas um panfleto um tanto reacionário. Se nossos vizinhos são piores
que o desconhecido, talvez valha a pena lembrar a arquifamosa frase de Jean-Paul
Sartre: “o inferno são os outros”. Setembro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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