textículos - edição
especial mostra sp 2011
(em ordem alfabética)
Cartas do Kuluene,
de Pedro Novaes (Brasil, 2011)
por Filipe Furtado
Cartas
do Kuluene existe
num intervalo entre um desejo e uma imagem. Este é seu projeto
e também o seu limite. Há um imaginário sobre a figura do índio
e uma idéia sobre o selvagem, imaginário este que formou seu cineasta.
Há também a experiência muito diferente de conviver com os índios
do Xingu por alguns meses. O choque entre este imaginário e esta
experiência é inevitável. É um choque por si só óbvio, mas do
qual Cartas do Kuluene extrai alguns momentos de força.
Seu momento de maior interesse é justamente quando o narrador
compara sua jornada a um romance de Conrad e tenta impor seu imaginário
sobre sua experiência, mesmo após boa parte dela negá-lo. O filme
se constrói entre a narração desta experiência e a dramatização
de experiências anteriores de dois intelectuais que, em momentos
diferentes, também tiveram contato longo com o povo de indígena:
o anarquista francês Paul Berthelot e o antropólogo americano
Buell Quain. Apesar de sua cuidadosa construção, Cartas do
Kuluene é vitima do próprio conflito que o filme trata. Suas
idéias raramente penetram suas imagens. O divórcio entre o imaginário
sobre o índio e o contato com eles se completa no divórcio entre
o projeto-Cartas do Kuluene e o material captado por Pedro
Novaes no Xingu. Nos momento em que suas imagens existem como
mais do que uma reles ilustração, o filme alcança seqüências potentes.
Pena que elas sejam só ocasionais.
O Dominador (Haunters),
de Kim Min-suk (Coréia do Sul, 2010)
por Filipe Furtado
A
idéia do cinema da Coréia do Sul como grande pólo de produção
de gênero recente nem sempre encontra contrapartida na experiência
que encontramos nos filmes. Pelo contrário, para cada O Hospedeiro
encontramos três A Bittersweet Life, que nem de longe sustentam
a atenção prometida, e logo, a despeito de um ou outro elemento
interessante, desaparecem diante de histeria e falta de personalidade.
Por conta disso, é possível desconfiar deste O Dominador,
filme de super-heróis do estreante Kim Min-suk (cujo único credito
anterior era de co-roteirista de The Good, The Bad, The Weird
de Kim Jee-woon). Pode-se dizer que seu grande mérito é justamente
encontrar um equilíbrio no seu tom rasteiro. O filme não deixa
de ser um espécie de inversão da lógica que guiava Corpo Fechado,
de M. Night Shyamalan: se aquele filme apresentava uma dramaturgia
típica da origem do super-herói americano, e a embalava num formato
muito próximo ao do cinema de arte asiático, o filme de Kim Min-suk
existe a partir de uma lógica de qualquer filme de herói genérico
do cinema americano, mas a apresenta pela sensibilidade do melhor
cinema de gênero asiático, com suas alterações radicais de tom
e desinteresse total pela explicações e lógica. Kim Min-suk se
aproveita muito bem dos elementos mais peculiares da sua trama,
evita chamar excesso de atenção para si mesmo (problema comum
no cinema de gênero local), acredita na simplicidade do duelo
que se dispõe a narrar e tem disposição para levá-lo até seu limite.
Se está bem longe da singularidade do cinema do Bong Jong-ho,
faz valer a promessa da sua industria local.
A Ilusão Cômica
(L’Ilussion Comique),
de Mathieu Amalric (França, 2010)
por Filipe Furtado
Mathieu
Almaric realizou A Ilusão Cômica
como uma encomenda da companhia de teatro La Comédie Française.
A encomenda, porém, veio acompanhada de uma série de regras: um
texto clássico do seu repertório, cenário contemporâneo, uso exclusivo
de atores que já interpretaram o mesmo papel no palco em algum
momento de suas carreiras, etc. O filme parece asfixiado pela
sua necessidade de cumprir este contrato: simplesmente cumpre
o prometido, sem criar um ponto de vista sobre o texto de Pierre
Corneille. O máximo que podemos dizer é que, ao trazer o texto
para os dias de hoje com alterações mínimas, Amalric acaba criando
uma quase paródia de uma idéia de cinema francês. Há momentos
em que o jogo de espelhos de Corneille e o ótimo elenco carregam
o filme como um pastiche agradável, e é inegável que o interesse
do Amalric cineasta pelo trabalho de outros atores (que data do
seu longa de estréia, Le Stade de Wimbledon) não se perde
aqui. Só que nada disso tira de A Ilusão Cômica sua condição
de filme protocolar. Se os melhores filmes de encomenda são aqueles
em que se encontra um desejo de ir além do que os financiadores
pediram (pensemos por exemplo em Café Lumière e A Viagem do Balão Vermelho,
ambos de Hou Hsiao-hsien), A Ilusão Cômica está mais que
satisfeito em simplesmente existir.
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