textículos - cinema brasileiro 2009

Embarque Imediato, de Allan Fiterman (Brasil, 2009)
por Eduardo Valente
No cinema, como de resto em qualquer outra parte da vida, ambições são sempre bem vindas – no entanto, quanto maiores sejam, mais fortes podem ser as quedas. Talvez isso ajude a entender porque a queda que sentimos vendo Embarque Imediato pareça tão grande: aquilo que poderia ser apenas um exercício de gênero sem maiores habilidades ou talento vira um desastre justamente porque almeja ser mais do que isso. Por um lado, há o claro interesse em propor um clima para além do realismo naturalista, sob influência forte dos tons almodovarianos (algo que surge em cena desde uma personagem que fala em espanhol até a relação direta de um personagem com o cinema clássico, aqui via Gilda); por outro, a ambição de fazer uma observação aguda sobre o desejo brasileiro de emigrar para o Primeiro Mundo em busca de oportunidades. O problema é que, no primeiro caso, falta a Fiterman o domínio do artesanato básico do cinema, algo que Almodóvar sempre teve e que especialmente hoje esbanja. Por um lado, Embarque Imediato parece editado com um machado, retirando qualquer possibilidade de clima no interior de suas seqüências já bastante problematicamente encenadas e decupadas (os exemplos são inúmeros, mas a cena de sexo e aquela em que Marilia Pêra aparece fazendo ginástica são os ápices); por outro, no desejo de colocar os atores um tom acima do naturalismo, o filme se perde em desempenhos quase grotescos (ou totalmente, no caso de José Wilker), nos lembrando sempre que a sátira e a farsa não são uma simples exacerbação da realidade para os campos de qualquer comicidade. O que é uma pena nisso tudo é que, no meio de toda a inaptidão de linguagem e no discurso sócio-econômico simplório, há ali um ponto de interesse inegável: a relação amorosa entre um casal tão improvável como o formado por Marilia Pêra e Jonathan Haagensen. Infelizmente, porém, Embarque Imediato não consegue criar nem narrativa, nem dramaturgia que nos permita minimamente partilhar desta relação.

O Grilo Feliz e Os Insetos Gigantes,
de Walbercy Ribas e Rafael Ribas (Brasil, 2009)
por Eduardo Valente
Nem mesmo para o mais sisudo dos críticos é fácil escapar da tentação de capitular frente a um filme que, ao mesmo tempo, quer se colocar como alternativa nacional aos filmes para o público infantil (e que, por isso mesmo, poderia ser o começo de um processo de formação de público), e luta para conseguir firmar um mercado de trabalho real para os animadores nacionais no cinema. Politicamente, a agenda parece impor o elogio ao simples ato de realizar, de chegar ao fim. Mas será que é isso mesmo que os animadores ou os realizadores de filmes para o público infantil desejam: esta condescendência piedosa que, ao fim e ao cabo, os relega ao papel de artistas/artesãos de segunda classe que precisam ser protegidos só por existirem? Torcendo que não, o que nos resta é constatar que este segundo filme dedicado ao Grilo Feliz repete aquela que já era a mais marcante insuficiência do primeiro: uma incapacidade de fazer com que a partir de sua combinação de personagens eventualmente promissores e uma capacidade inegável de criar ambientes visualmente atraentes consiga resultar algo mais que um amontoado de cenas que nunca compõem de fato uma narrativa com o menor resquício de uma lógica interna ou de desenvolvimento satisfatório de personagens e tramas - ou seja, nada que se deva a insuficiências técnicas/tecnológicas. Pois se fosse pouco, aqui soma-se um preocupante dado à equação: na busca de um "tema urgente", este segundo filme abraça um ataque à pirataria que enxerga a função do cinema infantil segundo tintas de um didatismo tacanho, moralizante e capitalista, com requintes de calhordice como colocar o "heróico" personagem principal dizendo coisas como "dinheiro é bom". Mas talvez faça todo sentido ser este o triste fim de um personagem nascido como garoto-propaganda em publicidades dos anos 70.

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