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A Antropóloga, de
Zeca Pires (Brasil, 2010)
por Filipe Furtado
Este
segundo longa de Zeca Pires (que antes cometera Procuradas)
ilustra muito bem como nenhum gênero cinematográfico expõe tanto
seu cineasta quanto o suspense/horror. Não há texto, atores ou
montador que possam resgatar um filme da falta de habilidade do
seu realizador, e logo na primeira tentativa canhestra de gerar
tensão, A Antropóloga deixa Pires totalmente nu. O que
se segue são algumas das mais constrangedoras tentativas de estabelecer
climas de todo o cinema brasileiro. Movimentos de câmera, trilha
sonora, disposição de atores no plano, tudo parece conspirar contra
a capacidade do filme de envolver o espectador. Há algum potencial
na comunidade de imigrantes dos Açores em Santa Catarina onde
a ação do filme é situada, mas mesmo isto é sabotado pelo tom
um tanto exótico/genérico com que A Antropóloga envolve
as lendas de bruxaria que movem a trama e por vezes sugerem um
análogo com alguma produção do gênero onde o protagonista estrangeiro
termina em alguma ilhota caribenha e se envolve com as crendices
locais. A Antropóloga não é somente um filme fragilíssimo,
mas caso típico da produção de gênero que consegue ao mesmo tempo
não acreditar na força da sua própria dramaturgia e se levar muito
a sério. Em suma, o pior dos mundos.
Entre Segredos e
Mentiras (All Good Things),
de Andrew Jarecki (EUA, 2010)
por Filipe Furtado
Andrew
Jarecki atraiu muita atenção com seu documentário de estréia Na
Captura dos Friedmans, muito mais graças a encontrar
a história e material certos do que pelo filme que construiu através
deles. Anos depois, Jarecki apresenta esta sua estréia na ficção,
novamente baseada num bom gancho verídico - desta vez o caso do
herdeiro de uma rica família de Nova York com histórico de ver
pessoas inconvenientes desaparecem entorno dele (em particular
sua esposa). Jarecki drena a história de qualquer interesse ao
buscar um tom pseudo-jornalístico, quase como se quisesse pedir
desculpas pelo teor sensacionalista que é a única razão do interesse
que ele desperta. Entre Segredos e Mentiras é menos um
filme movido por um ponto de vista e mais por um sentimento de
auto-desprezo. Nada mais previsível que boa parte dele seja povoado
por signos de óbvia respeitabilidade: da presença em cena de Ryan
Gosling acompanhado de todos os tiques de “grande atuação” que
Jarecki lhe foi capaz de lhe sugerir, aos psicologismos que explicam
seu comportamento (ele assistiu o suicídio da mãe!) até a gratuita
estrutura em flashback que emoldura a ação. Por toda sua busca
por uma autoridade jornalística, Entre Segredos e Mentiras
é um filme completamente desprovido de detalhes; tudo nele é genérico,
em parte para diminuir seus pontos mais excessivos e muito porque
falta a Jarecki imaginação para localizá-los na sua história.
O filme mais que se satisfaz em colocar na tela sua história verídica
de forma funcional e respeitável.
Jardim
das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro (Brasil, 2010)
por Eduardo Valente
Lá
pelas tantas em Jardim das Folhas Sagradas, um dos personagens
ri do andamento da história dizendo que “parece até novela antiga”.
O problema para o filme de Pola Ribeiro é que, mesmo demonstrando
nessa frase um certo grau de auto-ironia (sempre saudável) quanto
ao seu desenvolvimento narrativo, ele parece nunca se dar conta
que é na maioria dos outros quesitos, formais e estéticos, que
o filme termina, sim, parecendo uma novela antiga. Isso se deve
principalmente, num primeiro olhar, à performance do elenco, que
cria involuntariamente um distanciamento brechtiano com
as cenas (curioso que a grande exceção seja a maluca religiosa,
que empresta ao filme um respiro delicioso – justo ela, que devia
ser uma antagonista insana, ganha nossa simpatia por parecer trazer
alguma vida dentro de si). Mas não é difícil perceber que a questão
é anterior, e que boa parte dos problemas de atuação se deve de
fato ao didatismo extremo do texto, que a todo momento pára a
ação para “refletir” sobre ecologia ou intolerância religiosa,
ou para nos ensinar algo sobre os diferentes aspectos do candomblé.
A verdade é que Jardim das Folhas Sagradas é constantemente
sufocado pelo escopo quase absurdo de suas boas intenções, engessado
totalmente por todas as suas “questões” que, se certamente no
papel deviam compor um projeto com justificativas e objetivos
belíssimos (o que se percebe pela quantidade de editais ganhos,
notável nas inúmeras logomarcas do começo da projeção), na tela
do cinema impedem qualquer relação emocional com o material. É
a transposição da máxima de Muricy Ramalho para o mundo do audiovisual:
“a câmera pune”.
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