O Tempo e o Lugar, de Eduardo Escorel (Brasil, 2008)
por Paulo Santos Lima

Mesmo tempo, mesmo lugar

A primeira seqüência de O Tempo e o Lugar deixa bem claro o jogo estabelecido pelo filme. Temos uma voz no extracampo (a do realizador, Eduardo Escorel) adicionando informações à imagem que temos de Genivaldo da Silva, o objeto do documentário. Este lê um jornal, dado por Escorel, em que está estampado numa manchete, versando sobre algo no qual ele esteve envolvido. A leve demora para se reconhecer na foto, mais outras informações passadas pela voz fora do quadro, deixam claro que o diretor pretende ir a fundo na seara desse homem – algo aliás já feito anteriormente, como logo saberemos. Está claro, sobretudo, o domínio e controle que o diretor pretende nesta prospecção.

Há, a seguir, uma magnífica inserção de um episódio daquela série produzida pelo banco Bamerindus que mostrava brasileiros que venciam sobre a adversidade do meio, “Gente que Faz”. Dirigida pelo próprio Escorel, em 1996, a vinheta tem Genivaldo como personagem, “chapa branca” total, contendo a seca construindo um poço – imagem que insinua uma resolução total dos problemas da região, o que é justamente o contrário do mundo no qual o Genivaldo “real” atuou, cheio de percalços e obrigando-o à mais variada aventura política. Fica sugerido, então, que o filme seguirá no destrincho desses dois Genivaldos, o “real” e o “personagem”, mas o correr do documentário não será algo muito distinto de um Globo Repórter.

Seria maldoso dizer que O Tempo e o Lugar fica na estrada de “Gente que Faz”, mas não insano: a imagem que teremos de Genivaldo da Silva parece extremamente polida, sem arestas para emperrar a engrenagem narrativa. O filme, com algumas imagens e muito verbo dos entrevistados, trará informações valiosas sobre a riquíssima trajetória deste homem – e é inegável que a intenção de Eduardo Escorel em revisitar seu objeto é digníssima, uma vez que a trajetória desse homem é invulgar. Algumas poucas linhas de texto não dão conta dos caminhos ativistas de Genivaldo, que ingressou no MST, recebeu treinamento do Sendero Luminoso, colou-se à Pastoral da Terra, desse caldo militou pela reforma agrária, mais tarde estremecendo-se com a religião e os erros crassos do MST e preferindo seguir solo uma carreira política mais próxima da comunidade.

É um homem a ser aplaudido, mas nem tanto por um documentário, que de repente poderia capturar algo inédito, seja a pele deste homem, seja uma fissura medonha que o amplie além de sua trajetória enciclopédica. Este filme, assim, seria mais de quem escreve esta resenha, mas isso não exime Escorel de ter cometido uma falha: tentar uma “humanização” de Genivaldo da Silva. Ao fazê-lo, segue pela cartilha que tenta subtrair o simbolismo através do registro íntimo do sujeito, o que é uma armadilha na medida em que o efeito pode ser justamente o de amplificar o mito. O filme, assim, não só mostra a família de Genivaldo como dá voz a ela, dos filhos homens que seguem carreira política à esposa fiel e à filha que desmanchou um noivado porque o noivo a proibiria de trabalhar. Muito bacana essa gente, mas o documentarista precisaria mesmo perder tempo nesse assunto tão externo como é o do fim do noivado da moça? Ou da câmera ficar constrangedoramente apontada para a mulher de Genivaldo, esperando ela dar algo mais ao filme? Se assim é, por que, então, a limpidez narrativa para elencar dados sobre a história de Genivaldo, numa montagem bastante esperta e ágil em vários momentos?

Tais perguntas não pedem resposta uma vez que essa tentativa de dar uma prévia mais ampla sobre o entrevistado é bastante usual em nossa produção documentária. O problema, contudo, é que procurando a intimidade de Genivaldo da Silva, vai-se menos ao centro do objeto e perde-se a pontaria. O anúncio sugerido pelos pouco menos de 10 minutos de filme não é bem cumprido, porque temos, tão en passant quanto aquele “Gente que Faz”, um Lego chamado Genivaldo da Silva, com suas várias peças: história e história “clandestina”, ideologia, intimidades, sonhos (quer se aposentar da vida política num sítio no interior baiano, para criar cabras, ele conta à câmera), feitos de ontem e os atuais, família etc. Tudo isso num formato bastante exaurido – pelo menos para o que está sendo dito. Um documentário da maior dignidade, não há dúvida, mas que talvez devesse sair mais do lugar já bastante freqüentado por outros documentaristas.

Abril de 2008

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