Tapete Vermelho, de Luiz Alberto Pereira (Brasil, 2005)
por Cléber Eduardo

O percurso de Tapete Vermelho, de Luiz Alberto Pereira, é de uma resistência anti-moderna: temos lá um caipira paulista que, para manter uma tradição familiar ritualística, leva o filho para ver filme de Mazzaropi – como seu pai o levava no passado. Mas, há um paradoxo neste percurso. Se estamos no terreno da resistência aos novos tempos pela cultura da conservação e da permanência dos ícones e hábitos da geração anterior, há que se reconhecer que esses ícones e hábitos são produtos históricos e sociais: nos anos 50, Mazzaropi atendia uma demanda cultural daquele Brasil, marcado pela transição de país rural para urbano.

Por isso mesmo, não há condições de continuidade para o ritual planejado pelo pai para o filho na contemporaneidade porque os tempos mudaram: os cinemas fecharam e os abertos só podem ver como peça de museu uma sessão de Mazzaropi. Mas o caipira Quinzinho, o protagonista, é conservador rebelde. Vai reagir aos novos tempos para fazer a última sessão de um outro momento histórico. Vemos assim a “meio vitória/meio derrota” do herói preservacionista, que, embora faça seu ritual dentro da cultura moderna (o cinema de massa), lamenta as transformações, pois, em muitos casos, elas significam substituições.

Parece evidente o tom saudosista de Tapete Vermelho, mas, longe de idealizar o universo caipira tomando-o como modelo de uma brasilidade melhor e de um tempo mais próximo de nossas “raízes”, o filme opta por um afeto um tanto cínico por esse caipirismo. Sabendo estar do lado de uma causa perdida (a de projetos de permanência em um tempo de substituições), Luis Alberto Pereira só pode recorrer, em seu projeto de resistência conservadora, a uma estratégia de fabulação inverossímil, fantasiosa, de modo a promover uma última vitória do derrotado. Não estamos diante de outra coisa senão de um embate entre signos de um tempo e de outro, de um Brasil rural e de um Brasil moderno – que, hoje, em seu segmento “cinema do interior”, tem como blockbuster a cultura country-urbanizada de Dois Filhos de Francisco, não Mazzaropi

O percurso narrativo propõe uma homenagem paródica ao ícone do Jeca e tenta condensar um país e um tempo em algumas cenas e diálogos. Em situações construídas só para isso, atualiza as questões do Jeca dos anos 50-60 ao Quinzinho de 2005/6 - para ilustrar uma visão de mundo e de sociedade. Nesses momentos de “recados”, além de trabalhar no embate entre passado e presente, urbano e rural, Tapete Vermelho ilustra, em esquetes nos quais o cômico ganha uma pausa, diagnósticos sociais. As opções visuais do diretor, diante de tantas vontades de obter significados sobre o Brasil (os mais óbvios e rasos, diga-se), saem relegadas a segundo plano. Se na carreira do diretor havia avanço de competência narrativa entre Efeito Ilha e Hans Staden, percebe-se agora um retrocesso em matéria de organização do plano e do encadeamento deles. Os planos são relaxados, os cortes não conectam ações e espaços em algumas passagens, a grua parece usada, acima de tudo, porque se gastou com ela – sem nenhuma funcionalidade, nenhum efeito estético, nenhuma necessidade.

Se há comunicação do filme com os espectadores, e isso foi testemunhado em mais de uma sessão, ela deve-se à performance imitativa de Matheus Nachtergaele, cuja adaptação ao modelo caipira amplifica o deslocamento deste modelo hoje. Se há na recepção do espectador um afeto por uma categoria cultural em vias de extinção (o caipira puro), esta aparece retratada no filme em registro de paródia e de homenagem. Talvez porque fosse alienígena demais buscar uma filiação à um gênero e à uma tradição, quando, no Brasil urbano que freqüenta cinema, o caipira só pode ser piada, jamais elo de identificação. 

 


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