Tancredo - A Travessia,
de Silvio Tendler (Brasil, 2011)
por Raul Arthuso
Aula de história
Olhando a filmografia de Silvio Tendler, percebe-se
um desejo pela história. Afinal, Tancredo – A Travessia
faz parte de uma trilogia iniciada com Os Anos JK e Jango
que, claramente, parece um desejo da geração pós-64 de revisar
a seqüência dos acontecimentos históricos que levaram e giraram
em torno do golpe militar. Não é à toa que no meio do caminho
o cineasta realizara um longa-metragem sobre Glauber Rocha, figura-chave
da cultura brasileira no momento do golpe, tanto no que diz respeito
aos anseios pré-golpe quanto ao desespero após a subida dos militares
ao poder. Porém, a questão principal sobre Tancredo não
é o que ele representa dentro da trajetória de Tendler e sim como
seu discurso é, mais que uma pesquisa de abordagem ou que uma
vontade cinematográfica de discutir, a confirmação da história
oficial.
Ainda
que o filme se posicione, de início, na tentativa de revelar um
personagem diferente da história consagrada (com o depoimento
de Fernando Henrique Cardoso dizendo que Tancredo ficou conhecido
como um político conciliador, mas, na verdade, tinha uma visão
ampla e um projeto político), no fundo, Tancredo não passa
de um roteiro já escrito nos livros de história. Primeiro, ao
mostrar os eventos cronologicamente, com datas, nomes, fotos e
imagens de arquivo, pontuados por uma narração diletantemente
explicativa. Depois, as entrevistas que, ao invés de conduzirem
o filme para abrir um entendimento mais profundo do personagem
e do contexto político, servem apenas de “voz de autoridade”,
como se só assim o filme pudesse dizer-se um verdadeiro documentário
histórico. Há até uma reconstituição dos últimos momentos de Vargas,
como nas piores coberturas jornalísticas televisivas, porém com
caras conhecidas do grande público – pois só assim é que se pode
identificar com grandes homens como Vargas e Neves.
Esse
procedimento narração-imagens de arquivo-voz de autoridade ao
invés de aprofundar o discurso histórico, afunda o filme no oficialismo;
ao invés de abrir as portas para a discussão, fecha-se num nacionalismo
messiânico. Tancredo Neves vira o salvador da pátria, seus discursos
inflamados são pontuados por canções populares de mudança e esperança,
suas atitudes são descritas como racionalmente calculadas para
um bem maior. Há, assim, uma relação oferta-procura: se o Brasil
demanda heróis; Silvio Tendler nos dá um, meio que a reboque.
A preocupação em realizar um filme que traga à luz uma figura
histórica castra aquilo que deveria ser o principal: abrilhantar
o protagonista com uma personalidade forte, a fim de que ele se
torne indispensável por si só e não pela imposição do realizador.
Daí que Tancredo – A Travessia soe como um discurso dos
vencedores, sobre mártires e salvadores da pátria, daqueles que
têm a autoridade para tratar com grandes figuras; um discurso
dos que entendem a imagem histórica como mero instrumento revelatório
das “verdades” e não como elemento demolidor das verdades absolutas,
pelo poder de sugerir dados novos ao invés de explicar o que já
é público; um filme saído de uma aula de história mais que de
um projeto cinematográfico. Seria o caso, talvez, de ser um livro
didático.
Abril de 2011
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