Você Vai Conhecer o
Homem dos Seus Sonhos
(You Will Meet a Tall Dark Stranger),
de Woody Allen (EUA/Espanha, 2010)
por Fábio Andrade
Velhas
novidades
Não é difícil se entusiasmar, logo de saída,
com o Woody Allen que transparece nos primeiros minutos de Você
Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos. Depois de dois filmes
seguidos (Vicky Cristina Barcelona e Tudo Pode Dar
Certo) que estampavam um vigor de encenação
que há muito parecia perdido, há um notável
empenho inicial do diretor em oxigenar sua direção
neste novo trabalho. Allen, sujeito muito mais reputado pela verve
textual do que pela firmeza com que pilota a câmera, chega
a Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos com
ambições de cinema: as personagens se entrelaçam
em uma espiral de tempo que mistura a rememoração
ao presente, e gera uma euforia desorientada que faz lembrar o
Robert Altman de O Casamento. Por mais que existam reservas
possíves ao cinema de Altman, aqui a filiação
traz um esforço fundamental de invenção um
tanto inédito na carreira de Allen. Pois mesmo seus filmes
anteriores que trabalhavam a narrativa em multiplot,
como Hannah e suas Irmãs, tinham uma diferença
em relação a este novo trabalho: lá, era
o vai e vem das personagens que determinava a estrutura e pedia
os cortes; aqui, é exatamente o contrário. A estrutura
força encontros e desencontros, jogando as personagens
em um vórtice aleatório de acontecimentos e acasos.
Se a frase anterior traz à cabeça o cinema dos irmãos
Coen, não é por acaso: temos, aqui, uma tentativa
autêntica de se tecer uma trama de vento, com a possibilidade
de se deixar finais em aberto, relações não
consumadas e desejos suspensos pela corda presa ao pescoço.
Há,
porém, que se demarcar certas diferenças. Pois,
se a predileção pelas comédias românticas
de Woody Allen consegue tirá-lo do fatalismo supostamente
pós-moderno de Joel e Ethan Coen, é inevitável
que a adoção de uma mesma lógica e estrutura
acabe gerando distorções um tanto aberrantes. Se
existem comédias românticas que adotaram forma parecida
e atingiram resultados bem melhores (Simplesmente Amor,
de Richard Curtis, vem à cabeça), é justamente
por elas sabotarem essa suposta sofisticação formal
com as necessidades de um gênero que depende intimamente
da banalidade para ter força.
Nada poderia ser mais irônico (e, a rigor, mais apropriado)
do que se fazer uma comédia romântica banal e absolutamente
previsível usando os joguetes de cena dos Coen, de um Paul
Thomas Anderson ou, indo mais atrás, de um Kieslowski.
É a redução da auto-importância à
essencialidade da desimportância absoluta. Mas Woody Allen,
ao contrário, não acredita na pós-modernidade
o suficiente para abraçar o banal, seja ele qual for. A
vontade de ser Dostoiévski (e de usar como guião
uma citação de Shakespeare - muito expressivamente,
uma das mais batidas) fala sempre mais alto. Na falta de talento
para tal, ou de ironia para ser um Chabrol, resta-lhe se conformar
em passar por vidente, hipnólogo ou simplesmente charlatão
- o que confirma para O Escorpião de Jade um dos
mais altos e justos lugares na obra recente de Allen.
Aos
poucos, a excitação do furacão inicial de
Você Vai Conhecer o Homem dos
Seus Sonhos se dissipa, e deixa que o filme se
contamine do mesmo sentimento que rege toda a sua fase inglesa:
o cinismo. Quando Roy (Josh Brolin - ator que ganha destaque no
mercado justamente com um filme dos Coen, Onde os Fracos Não
Têm Vez) finalmente muda de vida e consegue trocar
sua esposa pela vizinha que ele via todo dia pela janela, temos
o plano mais bonito do filme: ele olha para a janela do apartamento
onde morava e vê sua ex-esposa trocando de roupas. A percepção
do acaso, de que estar aqui é tão plausível
e aleatório quanto estar lá, é tardia e nada
produz de fato. As mudanças são irreversíveis,
e as escolhas, sempre fatais. Que Allen organize todo seu filme
em torno desta lógica e, ao final, deixe seus personagens
presos ao futuro incerto que balança ao vento, é
apenas a evidência final de o quanto Você Vai
Conhecer o Homem dos Seus Sonhos
definha diante de sua própria desorientação.
Outubro de 2010
editoria@revistacinetica.com.br |