edição especial curtas brasileiros
2009 Love Me Tender por
Fábio Andrade
Sweet
Karolynne, de Ana Bárbara Ramos (Paraíba, 2009)
Sweet
Karolynne é um filme que praticamente implora
para ser subestimado, ou abraçado por motivos tortos. Temos ali um registro documental
bastante liso, extremamente calcado no carisma da criança personagem-título (com
todos os gracejos naturais que fazem a regra dos filmes com personagens dessa
faixa de idade, e que aqui é assumido como pertencentes ao filme nos desenhos
que ilustram os créditos finais), com um raciocínio de montagem que, de tão discreto,
pode passar despercebido, e uma fotografia em hi-8 que, dentro da sujeira
e da falta de definição hoje já tão datada do formato, não parece querer muito
além da mera captação das cenas – menos da maneira “justa”, e mais da maneira
“possível”. É
possível dizer, em uma segunda análise, que todos esses elementos emprestam até
um certo charme ao filme – algo que, mesmo não sendo falso, é ainda assim secundário.
Pois o que impressiona no trabalho de Ana Bárbara Ramos é como esses elementos
se revelam puramente distrativos para uma firmeza de contato e de articulações
que são o fator determinante por trás da força de Sweet Karolynne. De uma
abordagem bastante protocolar, que combina conversa com observação, o encontro
entre realizadora e personagem produz um material que, para além da força individual
de certos momentos (o plano de Karolynne cantando “Love Me Tender” em inglês inventado
é digno de antologia), se completa realmente na montagem. É ela que conquista,
em Sweet Karolynne, uma rara qualidade paradoxal: usar o específico para
falar do que é geral, sem com isso deixar de ser específico. Sweet
Karolynne é um filme sobre Karolynne, menina que mora nos fundos do bar dos
pais na Paraíba, e que tem o hábito e a paixão de criar galinhas e galos como
se fossem seus melhores amigos. É também um filme sobre a tomada de consciência
da morte, sobre o fio predatório que enlaça o amor, sobre a vivência da finitude
e da infinitude como sentimentos contraditórios, mas inegavelmente presentes na
relação do homem com o mundo. Mas, mais importante, é sobre tudo isso sem nunca
gritar sobre isso; são questões que transbordam da vida de Karolynne, e
que o filme muito discretamente dá a ver sem ceder à consciência excessiva de
que “se fala sobre isso”. Não há, em Sweet Karolynne, um único plano sem
força, que pareça estar ali somente para ilustrar uma questão que lhe é empurrada
de fora para dentro. O
paradoxo é essencial, pois é muito como a vida e como a infância, e a sua produção
é uma questão de critérios realizadores: Ana Bárbara percebe a ponte inventada
entre Elvis Presley e o galo Jarbas; corta do aniversário do galo para um plano
da família comendo frango no almoço; nunca pede que Karolynne fale sobre qualquer
coisa que não lhe diga respeito; e termina (mesmo que não objetivamente) o filme
com aquele formidável plano de Karolynne dançando, pulsando vida e uma graciosidade
sem jeito tão misteriosa quanto sintética de sua presença em tela. E tudo isso
demonstra um gesto realizador de eloqüente discrição (pois “elegância” e “delicadeza”
parecem ser palavras que o filme jamais buscaria para se descrever), que se equilibra
no ponto exato onde o desejo de realmente significar por meio de Karolynne nunca
fere a sensação de integridade da personagem, nem atropela a organicidade do material
com a vontade desmedida de que ele signifique mais do que lhe cabe. Em
todo seu aparente desleixo cosmético e sua evidente brutalidade, Sweet Karolynne
é um filme de medidas precisas e exatas. Não há mapa, regras ou conceitos que
possam garantir isso; é algo que ressoa – como Karolynne percebe todo o sentimento
de “Love Me Tender” sem entender suas palavras – e que parece só ser alcançável
instintivamente por quem se dispõe a ouvir, com determinação em afetar e se deixar
ser afetado. Janeiro de 2010
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