in loco - cobertura dos festivais
Amor de Verão (Summer Love),
de Piotr Uklansky (Polônia, 2006)
por Francis Vogner dos Reis
Necrofilia de um gênero
Na primeira sequência de Amor de Verão,
a câmera acompanha corpos espalhados pelo chão após um massacre.
Um cowboy pega um desses corpos, coloca em cima do cavalo
e parte. O ponto de partida é o “olhar” de um defunto interpretado
por Val Kilmer (em pequena, mas decisiva participação): é por
meio do olhar dele que esse universo se constrói e que também veremos
o filme. A primeira impressão é que se trata de um tardio faroeste
revisionista, porque tudo parece por demais extremo, imundo, rude,
precário e desidealizado. Tudo parece um filme que tenta reverenciar
o gênero, de modo mais particular os western spaghetti
e os filmes mais sujos de Sam Peckinpach.
O tal cowboy chega em um bar procurando um perseguido
pela justiça a fim de ganhar uma recompensa pela sua captura.
O início da ação que motiva a trama também não têm nenhuma novidade.
Mas o defunto que olha para o que acontece continua sendo o peso
estranho. Quando começa o espancamento do falso cego e o cowboy
é obrigado a fugir para o deserto, já estamos em um território
que parece mais um ensaio sobre os part-pris do western
do que um filme que tenta se enquadrar no gênero. O deserto não
tem céu, vemos somente areia; o xerife pilantra e seus capangas
só andam em círculos enquanto o herói se embrenha nas pedras e
cura seus ferimentos com pólvora e fogo; a prostituta se submete
às torturas de um maníaco e um rastreador bêbado fica a elocubrar
seus problemas existenciais.
Logo vemos que o filme de Uklansky não demonstra
gosto nem uma compreensão mais profunda do gênero. Ok, ele não
faz um western, mas um ensaio, que infelizmente parece
mais um abutre ou um urubu em cima do que entende como carniça:
um gênero morto e hoje, para ele (o cineasta), sem sentido. Marco
Ferreri fez também um ensaio sobre o western na década
de 70 chamado Touche pas a la femme blanche, que é o exato
oposto do que o cineasta polonês fez em Amor de Verão,
porque pega o gênero e mostra a impossibilidade de dar continuidade
a ele na época, reforçando sua existência como referência
viva e maior contribuição da arte no século XX à concepção da
História. Uklansky, por sua vez, ignora isso e prefere chafurdar
na lama: ele faz com o western o mesmo que Zeca Baleiro
faz com o samba.
O filme chama a atenção porque viciado naquela
idéia persistente e chata de desmistificação e (falsa) ousadia.
O resultado, supostamente “radical” e “iconoclasta”, é apenas
abjeto. Ainda bem que alguns dos poucos cineastas na ativa (Eastwood,
Carpenter, Hill) que entenderam o western mantém vivos
a moral e objetividade do gênero, mesmo que não façam sempre westerns.
Certamente se nossos cineastas contemporâneos buscassem entender
melhor os gêneros (e o western de modo mais específico),
talvez não existissem filmes como Querida Wendy e esse
Amor de Verão – e teríamos filmes e cineastas melhores.
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