Atravessando
a Ponte – O Som de Istambul (Crossing the Bridge: The Sound of Istanbul), de
Fatih Akin (Alemanha/Turquia, 2006) por Paulo Santos
Lima Experiência
simulada pela câmera Atravessando a Ponte – O Som
de Istambul carrega em seu título a experiência de sua realização, assinada
por Fatih Akin. Ele “atravessa a ponte” entre Alemanha e Turquia para registrar
“o som de Istambul”. Um processo que corre todos os riscos, pois o olhar estrangeiro
do diretor (Akin é descendente de turcos, mas sempre viveu em solo alemão, o que
faz de seu olhar sobre a Turquia não menos alienígena) jamais dará conta da meta
(totalizante, como o próprio nome diz) de radiografar “o som” dessa metrópole
turca. O filme é mais um tour, uma excursão que passa pela superfície de
um lugar sem jamais captar a experiência, em si. A ação de
Fatih Akin coincide com a de Wim Wenders quando foi a Cuba filmar seu Buena
Vista Social Club. A meta de Wenders, francamente, era menos ambiciosa, pois
seu documentário não pretendia indexar todas as experiências musicais daquele
país – mas, ele também “atravessou uma ponte”, cujas conseqüências identificam-se
com as de Akin. Há um preconceito (pré-conceito) que faz Wenders se surpreender
com o fato daquele lugar possuir rica produção musical. Cria-se assim um melodrama,
pois os músicos seriam flores no pântano cultivado por Fidel Castro. Há um ente
superior, civilizado, Primeiro Mundo, que “denuncia”, chocado, aquela situação.
Há, enfim, uma relação de poder. Menos pela música em si,
outra convergência entre os dois cineastas está em utilizar músicos como “pontes”
entre essas duas culturas que os filmes teimam em diferenciar ao máximo. Ry Cooder
indo a Havana, no filme de Wenders, e o músico Alexander
Hacke, da banda alemã Einstürzende Neubauten, no filme de Akin. Não a câmera,
mas é Hacke quem serve como um dispositivo de captação, assinatura e organização
do discurso. Mas há o diretor Fatih Akin construindo o verdadeiro discurso do
filme, que promete dar conta da complexidade — sobretudo porque a impossibilidade
de registro totalizante jamais é uma questão neste documentário. O
que há de mais franco neste agradabilíssimo tour musical é a pulsação das
imagens, fáceis (porque padrão, construídas numa aceleração muito bem executada
e presente em boa parte dos trabalhos documentais-televisivos, Fantástico, Globo
Repórter etc, que criam sentido pelo ritmo, muito pouco pelo que está sendo efetivamente
mostrado), mas dando organismo à viagem do estrangeiro. Uma óbvia mas não menos
interessante câmera na mão histérica escaneia os espaços, introduzindo-nos na
capital turca. Essa velocidade típica de van de “safe safari” na África impede
o tal mergulho necessário. Daí, por exemplo, a tentativa esquálida de contextualizar
a realidade dos músicos de rua, que mais parece uma fotografia tímida tirada entre
vários cliques de pontos turísticos. Nessa bacana coletânea
de imagens musicadas, há um convite a uma experiência a ser feita em Istambul,
cidade que, de fato, tem um sincretismo cultural acima de média (ainda que nada
extraordinário, pois a fusão cultural é uma realidade do mundo globalizado). E
esse “a ser feita” é o que carcome o filme de Fatih Akin. Porque este cineasta
é apenas herdeiro de uma experiência anterior a ele (a dos seus familiares que
moravam na Turquia), jamais alguém experimentando por si, em tempo real e in
loco a Turquia. Ao se confundir com a câmera (todo cineasta confunde-se, sempre),
esta fica sempre com um pé fora daquele espaço. É uma postura
oposta à de Werner Herzog, também alemão, que sempre vai com sua câmera até a
semente da terra, sujando maquinário e equipe com o barro local, tendo a experiência
de estar no espaço sem jamais tentar a impossibilidade de ser igual ao outro.
Seus filmes são mais uma tentativa de encontro com o drama desse outro, com seu
espaço. O que resulta, por exemplo, em expor na tela algo realmente sobrenatural,
como a ópera na Amazônia, levada na marra, em luta contra a geografia, em Fitzacarraldo.
Herzog está mais para Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) e Johann
Baptiste von Spinx (1781-1826), cientistas alemães que foram ao desconhecido do
Novo Mundo (nas nossas selvas, mais precisamente), e que, mesmo sob forte carga
de preconceito, tentaram um real encontro com um universo estrangeiro a eles.
Tanto Wenders quanto Akin, assim como Alexander Hacke, não
jogam seus corpos na lama, usam a sorte tecnológica (no caso de Akin, uma câmera
leve e que pode a tudo captar) para simular um encontro científico. O resultado
visual está longe da mediocridade, mas onde Atravessando a Ponte – O Som de
Istambul se faz grandioso é na coletânea musical que consegue reunir – o que
faz dele um excelente CD com imagens tamboriladas. editoria@revistacinetica.com.br
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