plantão do YouTube
Private Snafu
por Diego Assunção
Realizados
pelo Departamento de Comunicação do Exército Norte-Americano (U.S.
Army Signal Corps), os desenhos da série “Private Snafu” se destacam
das propagandas convencionais de guerra (os cinejornais informativos,
por exemplo), principalmente devido à “insanidade” dos seus realizadores
– Frank Tashlin, Chuck Jones e Fritz Freleng, todos discípulos
de Tex Avery, foram alguns dos “(ir) responsáveis” pelas obras.
Quem encarna a voz do oficial Snafu, personagem das histórias,
é Mel Blanc. A fala abobalhada, o tom infantil e estridente é
uma mistura de Hortelino com Pernalonga.
Muitos dos curtas foram lançados em DVD nos EUA,
mas é possível encontrar pelo menos quatro, dos 26 episódios da
série, no Youtube. Tratamos aqui de um deles.
Spies, de
Chuck Jones
Snafu nos introduz na história cantando uma música
por estradas e ruas de uma cidade hostil. Cantar uma inocente
canção, em tempos de guerra, significa dar oportunidade para o
inimigo se adiantar: a canção de Snafu é seguida por um coro de
espiões que o seguem sem ele perceber – entramos de cabeça na
paranóia de guerra.
Os momentos que seguem a introdução são tão loucos
quanto o caminhar inicial de Snafu – tão “loucos” quanto os filmes
anti-nazismo de Fritz Lang: o perigo espreita a ligação telefônica
de Snafu, espiões surgem de bueiros, atrás de postes e janelas
– espiões em forma de gatos, espiões em forma de bebês. Espiões
cantam e dançam enquanto Snafu, ainda sóbrio, pensa que os segredos
em seu cérebro (que tem o formato de um grão de feijão), estão
sãos e salvos com a corrente e o cadeado que os prende. Ele sabe
que deve manter-se atento, e de bico calado, para a informação
ultra-secreta não vazar.
Basta
uma parada no bar (que tem como enfeite dois alces que, ao entrelaçarem
seus chifres, formam uma suástica), para que a corrente e o cadeado,
que protegiam os segredos de Snafu, se quebrem com o aquecimento
alcoólico. “Relaxado”, Snafu flerta com uma bela “ariana”, que,
por sua vez, reproduz o flerte de Snafu em uma pequena máquina
de escrever e o coloca no bico de um pombo, antes disfarçado de
chapéu, para ser entregue aos oficiais arianos. Embriagado entre
os fartos seios da loira, Snafu continua soltando seus “segredos”.
Segredos que são transmitidos para uma central nazista através
de um equipamento de escuta disfarçado de sutiã - afinal, em tempos
de guerra, um sutiã pode ser mortal. E devido ao sutiã, o navio
que transporta Snafu é emboscado por navios nazistas, que juntos
desenham uma suástica no mar e juntos saldam o “Heil Hitler”.
O navio foge e Snafu fica à deriva no mar. Snafu morre, mas até
a morte, em tempos de guerra, pode não ser uma alternativa pacífica:
dentro de um caldeirão, Snafu enfrenta um diabólico Hitler, com
chifre e tudo mais.
A insânia de Chuck Jones não é despropositada.
Como é característico em sua obra, as loucuras aparentemente impensadas
servem para que Jones dê vida à paranóia, ao medo e estupidez
que assolavam o mundo no meio da Segunda Guerra Mundial. O “sutiã
escuta” é inserido no desenho de Chuck Jones de modo tão “impensado”
quanto a verruga do oficial nazista de Os Carrascos também
Morrem fora inserida no filme de Fritz Lang. Uma gag
fulminante de um lado, um expressionismo aterrador do outro: visões
insanas de um período insano.
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