in loco - cobertura dos festivais
Um Jogo de Vida ou Morte (Sleuth), de Kenneth
Branagh (EUA, 2007) por Renata Gomes
Jogo
(empobrecido) de cena
Supostamente, nada é o
que parece em Um Jogo de Vida ou Morte. O filme é um remake da obra de
1972, a qual, por sua vez, já é a adaptação de um texto teatral para o cinema.
Na versão “original” – palavra complicada para uma obra com tantas camadas de
adaptação – Michael Caine faz o papel de Milo Tindle, com Laurence Olivier na
pele de Andrew Wyke, o velho e consagrado autor de romances policiais. Nesta versão,
Caine pula para o papel de Wyke e Jude Law, também produtor do filme, entra no
papel de Milo, o jovem cabelereiro, ator e amante da mulher de Wyke, que vai negociar
o divórcio dos dois, em nome da mulher. Kenneth Branagh, conhecido por suas adaptações
de Shakespeare para o cinema, dirige o filme. Um Jogo
de Vida ou Morte é um filme sem pudor de tentar trazer o teatro para o cinema,
o que, como quase tudo nesta vida, tem um lado bom e um outro não tão bom assim.
O bom está no texto, agora revisitado pelo dramaturgo e roteirista Harold Pinter,
o que traz aos diálogos as características que lhe são marcantes: das falas rápidas,
dos ataques mortais pelo verbo, da ambivalência dos personagens, de uma histeria
que engana deliberadamente, de uma descrença no realismo. O lado não tão bom está,
ao que parece, na incompreensão de que, ao se fazer teatro no cinema, é preciso,
no mínimo, assumir que algumas coisas vão funcionar de maneira bem diversa na
tela. Tomemos,
no filme, os monitores de segurança, por exemplo. O cenário a que se atém 100%
da ação é a casa de Andrew Wyken – algo que seria comum no teatro, mas que, no
cinema, traz o desafio de ter que variar o que pouco varia. Possivelmente na tentativa
de resolver esse problema, nesta versão, o interior da casa tem uma arquitetura
e decoração ao mesmo tempo minimalistas, mas atravessadas de fora a fora pela
tecnologia. O filme começa com o circuito de câmeras de segurança captando a chegada
de Milo à mansão, num pequeno filme dentro do filme. No decorrer da ação, as mesmas
câmeras enquadram isto ou aquilo, com ajuda de alguns outros gadgets audiovisuais,
que permeiam a casa e a narrativa sem função aparente. Infelizmente, o que poderia
servir para anunciar e enfatizar o jogo de duplicidade tão essencial ao texto
e à mise-en-scène, acaba por ser pouco explorado, indo quase nada além
de meros objetos de cena, uma contra-regragem tecnológica que traz alguma beleza
aos enquadramentos e ambientes, mas muito pouco à linguagem do filme-que-queria-ser-peça. Ao
mesmo tempo – falha maior do filme, da qual os monitores são mero anúncio – cedo
demais na história, o espectador minimamente letrado – em cinema, teatro ou qualquer
forma audiovisual que lide com investigações policiais (e elas são muitas no mundo
de hoje!) – começa a antecipar as reviravoltas da trama, fazendo com que passem
de surpresa a algo telegraficamente esperado. Quando Wyke propõe a Tindle o negócio
escuso do roubo de suas próprias jóias, até mesmo o personagem de Law antecipa
estar se metendo numa grande roubada. A ambivalência das situações começa aí a
dar as cartas, mas o que poderia e deveria migrar para o esvaziamento da narrativa
– deixando de lado as reviravoltas como surpresa e se concentrando no jogo teatral
em si – acaba se perdendo entre uma coisa e outra. Nem são
surpreendentes as reviravoltas, nem carregam em plenitude a auto-ironia que tão
bem marca o texto pinteresco, deixando o espectador apenas moderadamente
entretido pelo show histérico de Law – menos belo do que de costume – e a majestade
de Caine. Reviravolta após reviravolta, o filme morrendo aos pouquinhos e, quando
termina no que deveria ser uma surpresa final, acaba mesmo é pairando num vazio
bem fácil de esquecer. Outubro de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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