in loco - cobertura dos festivais

Símbolo (Shinboru), de Hitoshi Matsumoto (Japão, 2009)
por Filipe Furtado

A graça do mundo

Uma família mexicana toma café da manhã. Há certa tensão no ar, já que é o dia em que o pai, também conhecido como Homem Escargot, participará do seu último confronto de luta livre. Numa sala branca vazia, um homem acorda. Ele veste o mais ridículo dos pijamas e logo percebe que esta sala sem saída tem uma lógica própria, movida por uma série de botões em formato de pequenos penises. Destas duas situações completamente desconexas, Hitoshi Matsumoto constrói um olhar muito coerente e particular que primeiro nos impressiona pela precisão formal na realização. Matsumoto é parte do duo cômico Duntaun, muito conhecido no Japão, e Símbolo é seu segundo longa como cineasta. O próprio diretor interpreta o homem trancado na sala, numa versão mais desesperada da sua persona cômica. Seu novo filme sugere um texto de Ionescu filmado por Jerry Lewis.

Temos de um lado o homem sozinho progressivamente desesperado diante de um problema, e uma série de peças para tentar solucioná-los. Ele vai usar de toda sua perspicácia para tentar montar seu quebra cabeças de como abandonar a sala, mesmo que os resultados por vezes sugiram um antigo cartoon da Warner. No outro extremo, um garoto aguarda ansiosamente a hora de ver o pai lutar. Estamos no extremo oposto do espetáculo áspero e formalista da sala misteriosa, diante de um universo físico em que estar naquele espaço por si só estabelece toda uma potencia do individuo. O Homem Escargot precisa vencer pela sua própria imponência física, seu dado mais importante é sua presença ali. Parte da graça de Símbolo é justamente como estas duas situações se articulam e se completam, com Matsumoto mostrando um domínio completo dos dois registros e administrando muito bem seus opostos.

Tudo isto se conecta na medida em que o homem junta peças e avança na tentativa de escapar do seu teatro do absurdo. Matsumoto sugere uma cosmologia muito especifica sobre como o mundo funciona que, sem entregarmos todo o filme, conclui de forma a sugerir tanto uma grande gag - a última esquete de uma porção de painéis cômicos - como uma filosofia sobre o sentido do mundo no qual o filme crê com muita força. Símbolo não deixa de ser ele próprio um objeto estranho dentro de um evento como a Mostra: um dos seus filmes mais sofisticados, mas também um dos seus filmes mais vulgares, que jamais deixará passar a oportunidade de realizar as mais grosseiras das piadas (a maior parte delas muito engraçadas, já que Matsumuto é antes de mais nada um comediante muito habilidoso). Neste contexto, ao nos lembrar que um olhar vale muito mais do que o bom gosto, Símbolo não deixa de se afirmar também como um objeto político.

Outubro de 2010

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