O Signo da Cidade, de Carlos Alberto Riccelli (Brasil, 2007)
por Eduardo Valente

Dramaturgia da catarse

Logo no começo de O Signo da Cidade somos apresentadas à personagem da também roteirista Bruna Lombardi: uma curiosa mistura de astróloga e taróloga, que parece compreender suas profissões (e papel no mundo) como o de “fazer bem às pessoas”. É sintomático que a roteirista e produtora do filme assuma este papel porque tem muito a ver com o que o filme parece buscar: O Signo da Cidade se insere no sub-gênero moderno(so) do “cinema de auto-ajuda”, uma espécie de versão audiovisual dos livros que abundam nas livrarias com enorme sucesso – num tempo em que, aparentemente, todo mundo poderia estar se sentindo um pouco melhor.

Cinematograficamente falando, o DNA recente do filme é bastante claro: temos aqui a mesma narrativa multiplot abundante no cinema contemporâneo, em que todos os ramos da história se cruzarão em momentos diferentes. Caso isso não baste para que entendamos a mensagem do filme, ela surge falada em voz off mesmo: “tá todo mundo interligado, ninguém tá sozinho”. Claro que o conceito de “todo mundo” tem que dar conta de todas as possibilidades “contemporâneas” de experiência urbana: do travesti ao playboy espancador, da exotérica à católica fervorosa, da junkie ao policial que dirige atrás de prostitutas... sentimos que podemos ir ticando uma lista de estereótipos de personagens “rotuláveis” – cada um deles permitindo a seus respectivos atores um momento de brilho dó-de-peito, uma cena climática (aliás, são tantos os clímaxes no filme, que a sensação predominante é a do anti-clímax).

Mas, é principalmente na maneira de encenar seu drama que percebemos o desejo inequívoco de realizar a versão paulistana de Crash, de Paul Haggis: busca-se atingir uma suposta complexidade sempre pelos momentos de catarse, pelo abuso do over. Não há, pois, lugar para sutilezas em O Signo da Cidade: no decorrer de pouco mais de algumas semanas cronológicas do que tenta pintar como um painel banal de uma série de “vidas comuns em São Paulo” nós poderemos assistir a dois suicídios, um espancamento, uma morte acidental por bala, um assalto, duas quase overdoses por drogas, um aborto mal feito, um parto no meio da rua... Assim como acontece no cinema de Haggis (e Iñarritu), a idéia é a de retratar a total falta de controle da experiência de vida atual – mas tudo sob estrito controle, claro, do roteirista e do cineasta, que em nenhum momento são “contaminados” pelo caos que retratam com enorme limpeza e exatidão. São, de novo, os cineastas-doutores para um mundo doente: fazem filmes como quem assina um diagnóstico.

Em termos de linguagem, a mesma idéia: nenhum espaço para sutilezas. Assim, vemos uma grua que se afasta lindamente do corpo desfalecido de um recém-assassinado por tiro, um desfocar no meio de uma cena de sexo, uma série de fusões em planos circulares em torno de uma mesa onde a protagonista joga cartas de tarô. O filme não busca nenhum estilo particular para além do uso mais clichê de cada ferramenta de linguagem, de forma a atingir o efeito mais direto e claro possível. A câmera tenta ser sempre “profissional”, “moderna”, up-to-date – e assim faz com que a São Paulo aqui vista se pareça com qualquer amontoado urbano mundial. São tempos, afinal, de “aldeia global” – e, como sabemos, tá todo mundo interligado, ninguém tá sozinho.

Setembro de 2007

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