in loco - cobertura dos festivais
Serbis (idem), de Brillante Mendoza (Filipinas/França,
2008) por Francis Vogner dos Reis
Elefante
branco
A primeira imagem é
de uma garota se olhando no espelho em um quarto abarrotado de objetos, inclusive
de imagens religiosas católicas. Nua, passa batom e repete “i love you”. Um garoto
observa, sai correndo e diz que vai contar à avó que a prima está passando batom.
Não dá pra analisar este cena sozinha, como se ela em si fosse um resumo, mas
essa situação da garota feia reprimida e quase sensual, revela um pouco a auto-imagem
do filme: algo entre o grave e o patético. Essa auto-imagem revela o desejo e
a fraqueza de Serbis, um típico exemplar do “cinema contemporâneo” que
pensa, sobretudo na força de procedimentos que captam a pulsão dos corpos e lugares.
Mas esta pulsão, por vezes, demonstra mais uma inércia, e este é o caso de Serbis. Se
tudo aspira a uma certa inércia, é porque parece, principalmente, um inventário
de formas e organização de tempo, espaço e drama de filmes melhores. Exemplo:
não temos uma trajetória, temos um olhar para um espaço; não temos exatamente
conflitos morais, mas uma negociação dos corpos com o meio que reagem pontualmente,
segundo as circunstâncias. Quando o filme começa o cotidiano dos personagens está
em andamento, quando termina, continua em andamento. Nada mais “contemporâneo”.
Nesse ritmo, Brillante Mendoza tenta reproduzir uma sordidez do habitat
dos personagens na organização daquele universo: um espaço que se revela aos poucos,
a partir dos movimentos bruscos de seus personagens, como um cinema pornô chamado
Family, administrado por uma família em que a matriarca é uma mulher severa e
religiosa. Os signos religiosos e pornográficos que consistem, sempre, em corpos
revelados, plásticos, vazios ou translúcidos (não importa) negociam espaço entre
si, sem fazer analogia ou contraste. Tudo parece cru, direto e pragmático. Isso
tudo não é um valor em si pra começo de conversa. Tudo no cinema, como a História
já provou, está a meio passo da autenticidade e do fetiche. Por isso, em um filme
aparentemente tão ousado quanto Serbis, deve-se fazer a pergunta: qual
é a integridade que se deve procurar em um filme? Essa é uma pergunta importante
ao se ver Serbis porque é evidente ai um projeto de cinema e o método do
cineasta é exposto com a certeza de onde está e para onde vai. Mas como não é
só de ponto de partida e segurança de seus meios que é feito um filme, Serbis
revela a cada momento uma sobreposição de seus efeitos de choque à aproximação
desse universo. Em princípio Serbis faz as escolhas certas, mas privilegia
tudo o que é contundente – o que não seria um problema se essa contundência servisse
a esse universo. Mas o que acontece é justamente o contrário: o universo serve
à contundência das imagens e das situações. É
como se esse choque entre a câmera e o caos que ela tenta organizar (de sordidez,
nojo, contradição) induzisse o olhar unicamente a uma relação um tanto distanciada
e entojada com aqueles corpos e espaços. Por isso Serbis é um embuste.
É um exemplo sofisticado do ouro de tolo do cinema atual, das arrojadas formas
in. O rascunho da idéia de frontalidade dos acontecimentos, do automatismo
da relação corpo-câmera-espaço, entre outras coisas, ao invés de permitir que
o filme respire, o transforma num elefante branco conceitual. Novembro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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