Sequestro, de Wolney Atalla
(Brasil, 2009)
por
Eduardo Valente Filme
pornô
Pode-se acusar Wolney Atalla de tudo, menos de
não ser bastante criativo em suas teses. Afinal, ele estreou
na direção de longas com um filme (A Vida em Cana) que
tentava provar que a lei que entraria em vigor banindo o sistema
de corte manual de cana estava, ao invés de impedindo uma das
mais históricas explorações de mão de obra quase escravizada,
matando uma cultura e uma forma de vida, que seria toda ela baseada
nesta prática, tornada assim positiva por si mesma. Agora, ele
começa este seu novo filme, Sequestro, propondo, numa sequência
de créditos iniciais cheia de elaborados gráficos e desenhos,
que a recente explosão dos crimes de sequestro no Brasil (e, a
julgar pela lógica daquela sequência, quiçá a criação mesmo dos
seqüestros como crime) só aconteceu por conta de uma exportação
do uso do crime, que parte diretamente de Cuba para o resto do
mundo (num momento particularmente delirante do desenho dos créditos)
a partir do colapso dos financiamentos do regime soviético. Ideologia
pouca é bobagem nos filmes de Atalla.
Pena
que no resto do seu filme, o diretor não consiga nunca ser tão criativo quanto
na sua argumentação deste começo porque logo o que veremos é uma mistura do velho
e infame estilo do programa de TV Cops com a do ainda atual (mas igualmente
infame) Wagner Montes, num acompanhamento do trabalho da Divisão Anti-Sequestro
da polícia civil de São Paulo que tem como horizonte único a heroicização do trabalho
policial, a exploração do sofrimento das vítimas (sob a aparência de “solidariedade”)
e, finalmente (e, claro), a demonização dos criminosos. Não que esteja se propondo
aqui uma dinâmica de relativização da realidade onde talvez criminosos pudessem
ser vítimas ou policias, marginais (embora isso não esteja fora da realidade de
alguns exemplos brasileiros). O que se quer apenas é afirmar que, como produto
audiovisual, Sequestro é mais do mesmo, nem mais nem menos. Ou
melhor, talvez ele seja um pouco mais sim, e seria injusto dizer que não. Quando
ele coloca vozes de telefonemas de ameaças sobre tela preta ou quando ele tasca
um zoom no rosto ao primeiro sinal de choro da mulher de uma vítima na
delegacia, Sequestro tem uma cara de pau na falta de escrúpulos da exploração
da situação e sua transformação em drama para consumo e comoção que já não vemos
nem mais na televisão, muitas vezes (tá, pensando bem ainda vemos na TV sim, mas
certamente não no cinema). Não que esperássemos do realizador de A Vida
em Cana um esquadrinhamento da realidade do funcionamento de uma instituição
tão presente na vida brasileira (a polícia) com ares de um Frederick Wiseman ou
de um Raymond Depardon. Mas talvez esperássemos sim um pouco menos de pornografia
sob o guarda-chuva do documentário, de “estamos mostrando a realidade como ela
é” – afinal, a realidade não tem trilha sonora que incite a lágrimas no sofrimento
da casa de uma vítima nem ao sentimento de suspense e ação nas cenas de estouro
de cativeiro. A realidade, esta moça tão fugaz e tênue, problematizada a décadas
pela ontologia do documentário, passa longe dos interesses reais de Sequestro.
A ele interessa o espetáculo da violência, fazendo parte de um sistema midiático
que explora e incita, como várias outras coisas (talvez até Cuba, quem sabe),
a indústria que o motiva. Setembro
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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