Sem
Controle, de Cris D'Amato (Brasil, 2007) por Eduardo
Valente
Autor bom é autor morto O
trailer de Sem Controle era sintomático: raríssimo exemplar de cinema brasileiro
que deixa clara sua filiação ao cinema de gênero, e que, ao seu final, não tinha
escrito em lugar nenhum o nome de sua diretora. Foi algo que me deixou bastante
animado, porque tenho convicção que o cinema brasileiro poderia se beneficiar
muito de uma descontaminação entre seus exemplares do típico cinema de público
e do cinema autoral – categorias que, se não devem nunca ser pensadas como estanque
e isoladas, por outro lado também não se beneficiam em nada das eternas misturas
que as assolam no Brasil e levam a filmes muitas vezes não-resolvidos em uma ou
outra de suas ambições (quando não nas duas). Foi com alguma alegria, portanto,
que a visão do filme me confirmou o diagnóstico pressentido naquele trailer. Isso
porque se algo caracteriza o trabalho estético de Sem Controle é uma aparente
tentativa (se voluntária ou não, é o que menos importa) de não possuir assinatura.
O conceito de filmagem/edição de Cris D’Amato e seus colaboradores parece funcionar
assim: filmar as situações de todos os ângulos possíveis, com a câmera se movendo
freneticamente praticamente o tempo todo, e depois editar isso com cortes rapidíssimos
e sem muito critério de construção de ambiente. Neste sentido, o filme nos faz
pensar na última jogada de marketing de Lars Von Trier (o chatíssimo O Grande
Chefe), que alegou que a grande “novidade” do filme era que seu diretor de
fotografia era um computador, que calculava e determinava onde colocar a câmera
e o que filmar. Só que, se em Von Trier isso resultava em inúteis e chamativos
enquadramentos “errados”, em Sem Controle a impressão é que o computador
usado pelo menos era inteligente e tinha olho (mesmo que eletrônico) – apenas
parece filmar “sem coração” (para lembrarmos do Homem de Lata). Só
que isso está longe de surgir como um problema dentro das ambições que conseguimos
detectar em Sem Controle a partir do produto visto na tela. Afinal ser
“grande arte” parece longe de ser uma de suas questões: o que ele busca é a comunicação
(e, ao final, a catarse) com o público de cinema contemporâneo. E embora de fato
pudesse ser dito que, por estes critérios, só possamos “julgar” o filme a partir
de seu resultado de bilheteria (o que é sempre uma quimera, porque não
basta seguir fórmulas para atingi-lo), crei que podemos atestar a sua capacidade
de, ao tentar emular um modelo, conseguir chegar com competência (se não com qualidades
maiores) ao seu resultado. Para
isso o filme conta em especial com uma trilha sonora/desenho de som de enorme
capacidade no seu intuito de clonar os mais recentes modelos do cinema de suspense/horror
americano – o que faz com grande funcionalidade. Mas, há mais a destacar, a começar
pelo seu elenco, que trabalha em três níveis: tem em Eduardo Moscovis o seu representante
do star system com quem o público pode se identificar (e que, mesmo em
seus eventuais tiques e exageros, consegue transmitir fragilidade e confusão de
propósitos ao seu personagem); tem no elenco de apoio na instituição médica, atores
coadjuvantes trabalhando em consciente (e, de novo, funcionalíssimo na comunicação)
registro overacting; e tem, finalmente, em Milena Toscano um rosto/corpo
desconhecido por quem o espectador consegue ficar fascinado/encucado tal e qual
o personagem de Moscovis. O filme aposta na combinação deste elenco com bastante
inteligência de um roteiro que constrói muito bem (ainda que com eventuais repetições
e explanações por demais didáticas no começo) o crescendo dramático que
nos leva ao terço final – onde o registro do cinema de gênero finalmente toma
conta do filme. Ao fim e ao cabo, a impressão que fica é
que, se houvesse produções similares traçando um caminho como o de Sem Controle,
talvez pudéssemos ser mais rigorosos com suas características intrínsecas de realização
que eventualmente não nos agradam de todo. No entanto, dentro de um cinema brasileiro
que, na maior parte das vezes, parece saber conjugar apenas os mesmos velhos verbos
ao tentar a comunicação com o público (ou sem compreender este na sua atualidade
ou apresentando a ele o produto mais tosco), Sem Controle parece particularmente
interessante. Outubro de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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