O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos),
de Juan José Campanella (Argentina, 2009)

por Filipe Furtado

Produto inflado

Mais conhecido por aqui por ter feito O Filho da Noiva, a principal atividade de Juan José Campanella é como diretor de TV nos EUA. Trata-se de uma informação útil quando assistimos seu novo filme já que, ao longo da projeção, fica muito claro o abismo que existe entre seus pontos fortes como diretor e as suas ambições de cineasta. Pode-se dizer que O Segredo dos Seus Olhos é parente próximo de certo cinema brasileiro que busca uma validação patológica – ainda que, sejamos justos, existe uma diferença muito grande de talento entre o argentino e um Jorge Fernando. Campanella sabe dirigir atores e se existe alguma força em O Segredo dos Seus Olhos, ela se deve quase exclusivamente à presença de Ricardo Darin. O diretor também é apto em controlar cenas onde se sugere múltiplas atividades se desenvolvendo ao mesmo tempo, o que garante algum interesse para as seqüências no tribunal de justiça onde o protagonista trabalha.

Infelizmente, porém, o filme também opta por uma câmera na mão freqüente (curiosamente oposta ao classicismo dominante no trabalho) que por vezes drena cenas de sua possível força, culminando numa embaraçosa suposta grande seqüência de perseguição num estádio de futebol, onde toda a complexa ação vira coadjuvante das piruetas da câmera. O Segredo dos seus Olhos poderia ser um filme policial razoavelmente eficaz. Os bons elementos estão ali: uma trama razoavelmente bem urdida, um protagonista obcecado, um crime hediondo, etc. Só que tudo isso existe no filme somente como gancho para as ambições do cineasta. A idéia central do filme, sobre um homem buscando sentido em sua vida esvaziada, poderia ser facilmente trabalhada dentro destes limites mais modestos, mas Campanella prefere complicadas e ineficazes idas e vindas no tempo, além de insistir num romance desengonçado entre Darin e sua chefe que, se trava o filme sempre que é inserido, visivelmente é o foco central de interesse do cineasta.

Trata-se de um filme inflado e desengonçado, que parece gritar a cada cena que é elegante e importante, mais do que um reles filme policial sobre um estupro/assassinato. “Existem temas importantes aqui” e “há observações relevantes sobre a natureza humana nesta investigação policial” são as duas idéias que Campanella parece vender cena após cena. É previsível que Campanella lance mão do passado de abusos de poder do governo argentino da forma como o faz: o suficiente para acrescentar a aura de filme respeitável do seu produto, mas de leve o suficiente para não ter que lidar de verdade com ele. Como todo filme complexado, O Segredo dos Seus Olhos quer sobretudo vender a si mesmo, e nisso ele é sem dúvidas bem sucedido, a julgar pelo seu sucesso na Argentina. Enquanto se afunda mais na sua pseudo-elegância grosseira, O Segredo dos Seus Olhos confirma que o charme de O Filho da Noiva foi acidental e que o de mais relevante Juan José Campanella filmou são seus três episódios de House mesmo.

Setembro de 2009

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