Scoop - O Grande Furo (Scoop),
de Woody Allen (EUA/Inglaterra, 2006)
por Lucas Keese Agradáveis
truques manjados
"Scoop"
é o termo em inglês para o furo jornalístico, a grande e exclusiva sacada midiática.
Este último filme de Woody Allen, no entanto, não tem nada de extraordinário.
O interessante, talvez, seja a própria consciência que o filme tem disso: uma
espécie de anti-herói do gênero a que faz referência – o suspense – dentro de
um regime de comédia de truques manjados, mas que ainda assim, fazem rir. No
início do filme nos deparamos com a morte de um famoso jornalista inglês, célebre
por sua persistência investigativa, referenciada na propina que este oferece
à Morte no barco rumo ao "reino de Hades" – construção cênica incorporada
ao universo da história. Numa conversa do tipo "como você veio parar aqui",
ele acaba recebendo informações que poderiam render um formidável furo jornalístico
envolvendo um aristocrata e assassinatos em série. Sendo fiel a sua vocação, ele
dá um jeito de voltar momentaneamente ao mundo dos vivos para incumbir alguém
do possível furo. Eis que a pessoa encontrada, e aqui já se pode ver a comédia
em tom de auto-deboche que Allen fará em relação ao suspense, é uma estudante
de jornalismo americana (com uma bizarra dúvida em seguir a carreira
familiar de dentista...). A investigação, quando adentra
o mundo da aristocracia inglesa, deixa ver uma certa representação que Allen faz
dos ingleses, muito presente nesses dois últimos filmes londrinos do diretor,
mas também em outros exemplos do passado. A noção de aristocracia é algo muito
mais forte na cultura inglesa do que na americana, e esse pedigree cultural acaba
sendo um fator de tensão entre os personagens e revelador de um certo cinismo.
Em Match Point, é o desejo do protagonista em ascender socialmente que
o leva a ilustrar-se em óperas e discussões literárias, bem ao gosto da família
tradicional na qual busca agregar-se. Já em Scoop, o próprio Allen faz
uma série de piadas, gafes com nomes da cultura refinada, que irritam a aspirante
à jornalista, já tão seduzida pelo meio que praticamente desiste da "brincadeira
do furo" (lembramos ainda do americano Trapaceiros, onde o
verniz cultural, tão almejado pela mulher nova-rica como carimbo definitivo de
sua ascensão, é aplicado por um inglês do mercado de galerias de arte, interpretado
por Hugh Grant). A
piada final com os ingleses, sobre "mão invertida" do trânsito, acaba
tendo maior impacto do que o insosso desfecho do mistério. Isso porque parece
que Allen estava mesmo mais interessado em testar seus já velhos truques sobre
uma estrutura de suspense um tanto banal. Mas a auto-consciência dessa posição é
sugerida pelo bordão do personagem: a bajulação da platéia, que depois de tanta
repetição nos aparece não sem uma ponta de ironia. E nos vemos então como a platéia
do show do mágico-Allen, rindo de truques já vistos, talvez buscando um prazer
na repetição de algo familiar e consagrado. editoria@revistacinetica.com.br
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