in loco Em
Santa Maria da Feira por Paulo Santos Lima
Sobre
a bela Santa Maria da Feira, pequenina cidade histórica ao norte de Portugal,
Leonardo Mecchi disse (o) bastante na cobertura
que fez para a Cinética ano passado. Acrescentaria que o lugar lembra muito uma
cidade do Leste Europeu – o Leste Europeu dos filmes, que fique claro, pois jamais
pus os pés lá –, o que dá ao Festival de Cinema Luso-Brasileiro uma cunhagem ainda
mais especial, singular, meio de “outro mundo”. Um evento que, grosso modo, é
uma grande peça de resistência num panorama completamente erodido: o da produção
cinematográfica portuguesa (e brasileira, se pegarmos como régua a freqüência
popular nas salas de cinema, diminuta se comparada ao que fora nos anos 70). Assim
como no Brasil, o público português não engorda muito o caixa dos filmes lusitanos,
e, algo bastante comum em todas as praças do mundo, os seus maiores cineastas
(maiores do mundo, diga-se, como Manoel de Oliveira e Pedro Costa) não atraem
grandes públicos. Essa freqüência meio trôpega para os filmes lusitanos no seu
próprio país ecoa também no Festival de Santa Maria da Feira, que contou com uma
restrita, porém qualificada (porque interessada), platéia nos seus sete dias.
Não é um “defeito”, mas sim um sintoma, e não muito diferente dos festivais brasileiros,
na medida em que a grande freqüência nas sessões muitas vezes é o maior público
que o longa terá ao longo de suas exibições públicas. Semelhança
mercúria entre os países, e crucial para a existência desse Festival em Feira,
é que são tão raros os filmes portugueses que chegam ao nosso circuito quanto
isoladas e especiais são as exibições de longas brasileiros nos écrans lusos (como
Cidade de Deus, ou mesmo Tropa de Elite ser de conhecimento dos
portugueses, por exemplo). Países com histórias entrelaçadas, línguas semelhantes
e algumas similaridades em sua posição dentro do panorama mundial do cinema, ainda
assim o diálogo é tímido – e, talvez, menos por problemas de produção, uma vez
que ainda é bocado acanhado o fluxo entre filmes brasileiros e os vizinhos argentinos. Nesse
panorama de mudez entre cineastas e suas obras, entre países e suas produções
cinematográficas, os festivais de cinema tornam-se momentos sagrados do exercício
da cinematografia, quando diretores podem se encontrar, ou se pode ter uma visão
em conjunto de certa(s) cinematografia(s), o que ajuda ao exercício de reflexão
de debate estético. Se um filme, hoje, surge contaminado por diversas experiências
(pessoais do realizador ou dos filmes que ele viu e que, cônscio ou inconscientemente
verte para dentro de seus filmes), nada mais importante que promover o encontro
físico, material, dessas leituras e pensamentos alcunhados de “cinema”. Daí
que o Festival de Santa Maria da Feira, ao mesmo tempo em que se coloca como um
pequeno mas forte rochedo contra a maré da desarticulação da produção cinematográfica
brasileira e portuguesa (entre si e entre ambas), reflete o que são os cinemas
desses dois países hoje. Na sua 11ª edição,
não houve, por exemplo, os gênios Pedro Costa e Manoel de Oliveira, mas um apanhado
da produção recente lusitana, cuja ignorância nossa impede que saibamos se ele
é afiado ao que de fato é rodado no país. Sobre os curtas
e longas brasileiros, houve, com plena certeza, um fiel painel do repertório de
imagens que está sendo produzido por aqui. A maior parte já bem discutida nesta
Cinética, houve desde a obra-prima Serras da Desordem como fitas “contemporâneas”,
como A Casa de Alice e Deserto Feliz (estes, não necessariamente
bons, mas sintomáticos). Nos curtas, Trópico das Cabras e Alphaville
2007 puxaram extraordinariamente o carro. A seleção brasileira, grosso modo,
mostrou-se mais liberta, arejada na mise-en-scène, num correspondente ao
que se vem fazendo hoje (a câmera na mão, os cortes secos, uma não conclusão ou
resolução dos conflitos expostos pelos personagens etc) – o que não obrigatoriamente
significa que sejam obras magnânimas. Os encontros foram
ocasionais entre os brasileiros e portugueses, ao longo da semana, e a repercussão
na mídia, também tímida. Mas, afinal, isso invalida o evento? Criticar seu curto
eco não é dar as costas para o quão concentrado foi esta reverberação? (Um exemplo
foram realizadores portugueses conhecendo um filme de Tonacci ou nós conhecendo
um esperto curta português China, China). Sob uma estrutura e organização
invulgares, bem acima da média, graças à organização do festival, que, se assim
fosse padrão, os diálogos tornar-se-iam intimidades totais entre os cineastas
e países, não há o que se criticar. Como sugestão, que haja mesas redondas e fóruns
de discussão entre cineastas e críticos, caminhos bem valiosos para o fomento
do pensamento estético e político cinematográfico, uma grande via de articulação
que se faz vital nessa produção luso-brasileira que está aos cacos, e que conta
com a rica militância de um festival como este. Dezembro
de 2007
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