Sambando
nas Brasas, Morô?; de Elizeu Ewald (Brasil, 2006) por
Eduardo Valente Rememorar,
é preciso? Como notei na época na Contracampo,
havia na cinebiografia de Nelson Gonçalves filmada por Elizeu Ewald em 2001 um
curioso frescor que advinha tanto da escolha de encená-la numa mistura entre encenação
e documentário tradicional quanto da mistura entre o micro (vida de Nelson) e
o macro (história do Brasil ao longo da vida deste). Pois é mais ou menos este
mesmo caminho que Ewald tenta repetir agora neste Sambando nas Brasas, Morô?,
com muito menos sucesso – o que se dá principalmente por uma razão: do saudável
descolamento entre imagens de arquivo e narração biográfica que se produzia naquele
filme, criando uma inesperada narrativa livre dentre de uma aparência bastante
convencional; aqui passamos para uma tentativa um tanto irregular de achar um
ponto de contato entre o entrecho ficcional e o material documentário, sem que
de fato eles se comuniquem a contendo. A maior razão para
esta incomunicabilidade é uma só: a fraqueza do material ficcional – que nada
tem da exuberância da história de vida de um Nelson Gonçalves. Pelo contrário:
aqui, a narrativa da vida de uma família carioca nos anos 50 pouco atrai o nosso
interesse. De um lado, temos um casal que nunca chega a nos despertar empatia
(principalmente por uma interpretação quase straubiana – num filme que nada tem
do cineasta francês – de Marcello Novaes); de outro, um personagem que parece
realmente interessante, interpretado por um firme ator pouquíssimo explorado pelo
cinema brasileiro (Clemente Vizcaíno), mas que fica fadado ao papel de coadjuvante,
de complemento narrativo – nunca conseguindo, portanto, se desenvolver. Mas,
os problemas não são apenas de roteiro: a filmagem destas cenas ficcionais é
incrivelmente travada– o que em parte certamente se explica pela rapidez de sua
realização (três dias), algo que reflete uma produção quase caseira de Ewald,
que apenas captou recursos na finalização do projeto. Embora não só louvável como
rara, esta opção (ou falta de) pela escassez de recursos de produção não pode
ser usada como intermediário no nosso confronto com as imagens quando estas chegam
à tela do cinema. E é lá que, se percebemos o carinho com que o
filme é realizado, não podemos deixar de perceber as marcas que sua difícil
realização deixou. Ewald demonstra seguidamente ser um pesquisador
incansável de imagens de arquivo, e são nestas que o filme acaba encontrando seus
melhores momentos – mas mesmo ali não nos satisfaz de todo, por lidar com materiais
(a macropolítica brasileira entre Getúlio e JK; o microcosmo da música carioca
nos anos 50) já bastante explorados em outros lugares. Ficamos com a sensação
de uma recuperação de memória que é na verdade mais uma grande repassada do que
uma descoberta. Assim como o filme é dedicado ao pai de Ewald no final, e narrado
pela voz de um filho que, já nos créditos finais, renega a atualidadade (“hoje,
há a individualidade”, diz ele), ficamos com a impressão de que é ao rememorar
de um público idoso que o filme se dirige – como alguns musicais de baixo orçamento
da cena teatral carioca recente. A eles, busca dar momentos de identificação e
nada mais. Dois curtos planos exemplificam melhor do que
todos os dilemas de Sambando nas Brasas: quando o personagem de Clemente
Vizcaíno aparece, em efeito de chroma key, sobre as imagens de arquivo
– primeiro filmando dentro de um avião, depois passando pelo Túnel do Pasmado.
Ao tentar promover esta superposição entre seus registros distintos, Ewald revela
que a fragilidade de seu novo trabalho é parecer mais uma indefinição de proposta,
do que uma proposta mista como o seu primeiro filme: por um lado, fica a sensação
do uso do arquivo apenas pela impossibilidade de encenar as cenas de época com
personagens; por outro, a de que o uso da ficção apenas quer “esquentar” a frieza
dos cinejornais, sem conseguir fazê-lo. Nos dois casos, o filme acaba chamando
a atenção mais para suas impossibilidades do que para seus trunfos.
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