Sagrado
Segredo, de André
Luiz Oliveira (Brasil
2008)
por
Fábio Andrade
A
verdade visível Sagrado Segredo constrói
a narrativa de um diretor de cinema que busca reencontrar sua fé. Depois de vermos
um garoto que entra em uma igreja acompanhando uma senhora, a câmera de Sagrado
Segredo se coloca no interior da encenação do grupo Via Sacra (que interpreta
a Paixão de Cristo em Planaltina, no Distrito Federal), e levará alguns minutos
até mostrar um primeiro plano da platéia que assiste ao espetáculo. Tanto na cena
da igreja, quanto no teatro da Paixão, o céu aparece completamente superexposto,
e podemos ver apenas aquilo que acontece dentro da encenação. O elenco do grupo
de teatro é entrevistado – eles dizem seus nomes, suas profissões, e alguns relatam
o exato momento em que encontraram a plenitude de sua fé durante uma das encenações
do grupo. Em uma reunião de equipe, o diretor do filme dentro do filme se diz
impressionado com os relatos dos encontros divinos vivenciados pelo elenco: "Eu
também quero viver esse encontro", ele diz. Se
lembramos de Lula, personagem crucificado no brilhante Meteorango Kid –
ainda hoje o filme mais associado ao nome de André Luiz Oliveira – podemos pensar
Sagrado Segredo como um retorno a uma imagem central também na carreira
do diretor. O interesse por Jesus, porém, é menos como santo, e mais como estímulo
de devoção. André Luiz Oliveira não vai à igreja conversar com fiéis, mas sim
com um grupo que interpreta uma parte da vida de Cristo, e que passou a conhecê-lo
a partir dessa encenação – pois a vida de Jesus é, antes de qualquer coisa, uma
narrativa. A fé é mais projetada sobre essa narrativa do que sobre a figura, pois
é ela quem pode conferir algum sentido à vida. Interpretar é conhecer o outro.
Sagrado Segredo vai buscar a plenitude espiritual na verdade da encenação;
do lado de fora, o mundo é superexposto, luminoso demais para ser visível ou compreensível.
Sagrado
Segredo, portanto, não é tanto um filme sobre Jesus
Cristo quanto é sobre a encenação. Como a narrativa, ter fé é, antes de tudo,
estabelecer limites de o que se vê, e o que não se vê. As perguntas aos entrevistados
são feitas por atores que interpretam uma equipe de filmagem. Como contraplano
aos entrevistados, vemos imagens da equipe, ou do "diretor" do filme
(ou melhor, do ator que o interpreta) fazendo as perguntas. Existe, portanto,
um jogo de camadas que estaria próximo daquele feito por filmes como Moscou
ou Aquele Querido Mês de Agosto. O registro documental é colocado em contato
com uma encenação de making of que, por sua vez, buscará sua verdade interna
nessas entrevistas. Daí se explica, portanto, a encenação do making of:
reencenar o processo do filme é, de certa forma, fazer dele narrativa e buscar
nele algum sentido. E aí surge o problema maior de
Sagrado Segredo, que também é o que o separa de Moscou e Aquele
Querido Mês de Agosto: a encenação, aqui, é de um esquematismo absolutamente
improdutivo. Pois nos filmes de Coutinho e Miguel Gomes, passa-se pela desconstrução
da cena para se construir uma verdade nova e potente dentro dessa mesma cena.
O fim, portanto, é a encenação que, após desmontada, volta mais íntegra, mais
forte. Em Sagrado Segredo temos a via inversa, pois o desvio metalinguístico
é frouxo em suas armações internas, e acaba servindo apenas ao jogo que ele mesmo
inventa. Dentro dele, nunca encontramos a força que aparece no registro documental
da encenação da Paixão, ou das falas das personagens. E aí pouco importa se a
imagem é verídica ou não, pois o fracasso da cena está em sua incapacidade em
inspirar verdade. Setembro de 2009editoria@revistacinetica.com.br
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