Vermelho
como o Céu (Rosso Come il Cielo), de Cristiano Bortone (Itália,
2006) por Leonardo Mecchi
Baseado em fatos reais - e sufocantes Assim
como Shyamalan em A Dama na Água, Cristiano Bortone faz com Vermelho
Como o Céu sua profissão de fé no poder transformador da ficção, da fantasia
e da imaginação. Estamos, entretanto, num terreno bastante distante do de Shyamalan,
que assumiu e explicitou na própria estrutura de seu filme o processo de construção
da narrativa. Bortone não busca confrontar o público, mas arrebatá-lo, e para
isso trabalha seu filme numa chave clássica: a do melodrama baseado em fatos reais
(como informam ostensivamente os créditos iniciais) – o que não torna a obra menos
interessante em seu retrato de uma infância que se recusa a aceitar as limitações
e enquadramentos que lhe são impostos pelo mundo adulto. Com
um olhar claramente afetuoso para com seus personagens infantis (por vezes assumindo
literalmente o ponto de vista de seu protagonista), Bortone consegue construir
sua fábula de superação sem apelar ao sentimentalismo exacerbado típico desse
tipo de enredo. Com isso, o diretor consegue atingir um genuíno interesse e apelo
junto ao espectador – e o prêmio de público que o filme recebeu na última Mostra
de SP apenas confirma esse relativo sucesso. Se essa conexão se dá através do
núcleo infantil do filme (sua inocência desconhecedora de limites, suas descobertas
e superações), o mesmo não se pode dizer de seus personagens adultos, que invariavelmente
resvalam em estereótipos (o professor que enfrenta as regras rígidas da escola
em nome de seus pupilos, o diretor obsoleto que busca desesperadamente manter
o status quo, o jovem revolucionário que já superou as adversidades que
as crianças enfrentarão). Tais personagens acabam por adicionar ao filme um didatismo
desnecessário, seja através de suas falas ou de uma espécie de painel histórico
– o retrato dos movimentos estudantis, operários, anticlericais etc – que vai
sendo construído quase como um anexo à trama principal. Se
na maior parte do tempo Bortone conseguiu escapar das armadilhas inerentes ao
melodrama, Vermelho Como o Céu acaba por pecar em sua outra faceta: a do
filme baseado em fatos reais. Como nos lembra Inácio Araújo em nota sobre Batismo
de Sangue (outro filme calcado numa suposta reencenação da realidade), “a
diferença entre a vida e a arte é que a segunda requer mais imaginação”. Preso
a um desejo de se manter fiel aos fatos, essa ausência de imaginação é ainda mais
grave em Vermelho Como o Céu por ser esse justamente um de seus temas principais.
Embora ensaie em alguns momentos o embarque na fantasia
daquelas crianças (como faz O Labirinto do Fauno, que adere à imaginação
infantil a ponto de não mais diferenciá-la da realidade diegética), o filme italiano
peca justamente por abortar esse movimento em nome de uma preocupação excessiva
em retratar os "fatos reais" nos quais se baseia. É desse apego supérfluo
ao real que surgem as cenas menos bem resolvidas do filme, como as manifestações
em frente à escola ou o confronto entre professor e diretor. É como se, ao se
recusar a abandonar a realidade na qual se inspirou para realizar o filme, Bortone
negasse ao próprio filme uma existência própria – da mesma forma que o diretor
da escola nega a seus alunos a possibilidade de se desenvolverem para além (e
não em função) de suas limitações. Uma falha que acaba por prejudicar o filme
que, ainda assim, consegue atingir um belo e raro resultado em terreno tão pantanoso.
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