Romance,
de Guel Arraes (Brasil, 2008) por Eduardo Valente
Fora
de ritmo
Curiosa trajetória esta que aproxima
o pernambucano Guel Arraes do gaúcho Jorge Furtado. Afinal, por mais que ambos
só tenham estreado de fato na direção de longas-metragens nestes anos 2000, eles
chegam a esta posição com mais de vinte anos de labuta no audiovisual brasileiro.
Labuta esta que nos brindou com alguns ótimos curtas (caso de Furtado) e marcantes
produções na TV, em especiais e séries (no caso dos dois, sendo que Arraes há
mais tempo). Se suas carreiras se aproximam de vez lá pela metade dos anos 90,
quando começam a realizar trabalhos juntos, talvez o que mais notadamente aproxime
o trabalho mais recente dos dois, porém, não é uma marca positiva: sendo, para
todos os efeitos práticos, ainda praticamente iniciantes na função de diretores
de longas (cada um dirigiu quatro), é surpreendente o quanto seus últimos filmes
soam exauridos, girando em falso em torno de idéias e formatos que já encontraram
dias e válvulas de escape mais felizes. No caso de Furtado,
a característica que sempre mal ou bem o identificou (e a qual ele nunca negou,
diga-se) é um certo desinteresse de fato pela figura do diretor de cinema, que
ele sempre pareceu exercer meio a contragosto, preferindo muito mais se dedicar
à escrita e a montagem (em última instância um espaço de reescrita audiovisual)
do que à encenação propriamente dita. Pois o que impressiona negativamente neste
novo Romance, que é escrito em conjunto pelos dois, é o quanto o cinema
de Guel Arraes aqui parece se aproximar de alguns dos piores exemplos de encenação
dos filmes de Furtado. A hipótese que parece mais óbvia é que, em seus filmes
anteriores (dois deles reedições de materiais usados em séries de TV – ambas melhores
que os filmes), Arraes sempre escondeu um semelhante enfado como encenador por
trás da sua capacidade de imprimir uma velocidade alucinante ao trabalho de diretor
- algo pelo que ele é conhecido nos sets de filmagem, mas que repercute no produto
final também. Agora, ao enveredar por um projeto que pede um tempo diferente (tanto
na montagem como na filmagem), a impressão é que Arraes perdeu o que tinha de
melhor, e ficamos apenas com seus pontos mais fracos. Não
que Romance não tenha seus pontos altos. Mas justamente quando eles surgem
é que entendemos o quanto e o porquê do resto parecer tão frágil, sem vida. É
o que acontece, por exemplo, quando o filme se muda para o sertão da Paraíba e
ali reproduz o que seria os bastidores da gravação de um especial para a TV. Seja
no (sempre bastante caro aos dois) jogo de encenação e verdade, seja numa estrutura
um pouco de comédia de vaudeville (com entradas e saídas de cenas, “batidas
de porta”, etc), o filme ganha uma graça, ainda que um tanto truncada, que lhe
falta em quase tudo que é encenado em São Paulo ou no Rio de Janeiro. E isso fica
ainda mais claro quando surge em cena um Marco Nanini, cujo personagem poderia
ser totalmente dispensável da narrativa do filme, mas que acaba sendo um dos pontos
altos do filme, tanto por sua performance iluminada, quanto pelo fato do tempo
de cena e registro de seu personagem serem muito mais próximos daqueles
com que Arraes trabalha melhor. E nunca será um bom sinal para um filme quando
um personagem secundário dispensável é uma das suas melhores coisas. O
fato é que a uma hora que leva até a Paraíba é de uma duração sensorial muito
mais excruciante, perdida que fica entre momentos de suposta “verdade” entre os
personagens de Wagner Moura e Letícia Sabatella, que nunca conseguem nos tocar
de fato, e as sacadas de metalinguagem (aqui tanto sobre a relação teatro-mundo
quanto sobre o mundo dos artistas brasileiros entre TV e teatro) que aparecem
excessivamente trabalhadas, mastigadas, explicitadas e repisadas. Tudo nesta parte
faz com que ela acabe funcionando simplesmente como uma das mais longas introduções/exposições
da história do cinema, com cena após cena de ritmo interno equivocado, planos
bastante feios (num trabalho realmente decepcionante de Adriano Goldman, que parece
deixar claro que nem todo ótimo fotógrafo consegue se adaptar ao ritmo de filmagem
de Arraes) e dois belos atores nos piores desempenhos de suas carreiras (o tique
do personagem de Moura de abaixar os olhos e a cabeça quando contrariado/entristecido
chega a ser constrangedor). Não por acaso, mesmo sem maior brilho, sempre que
Andréa Beltrão entra em cena neste começo o filme melhora. Quando
chega à Paraíba, especialmente graças a entrada em cena de Vladimir Brichta (cujo
personagem talvez seja o mais interessante do filme, ainda que subexplorado),
o filme cresce bastante, como dissemos, e encontra um ou dois momentos luminosos
para além das já citadas cenas com Nanini. Mas é bastante tarde para evitar o
fato de que Romance não consegue se solucionar na linha tênue onde parece
querer caminhar, entre uma exploração mais explicitamente intelectualizada (e,
lógico, romântica) da metalinguagem característica de seus autores e a comédia
popular que sempre gostaram de exercitar. Na corda bamba dessa combinação, o trapezista
infelizmente desaba dos dois lados. Outubro de
2008 editoria@revistacinetica.com.br
|