Rock Brasília - Era de Ouro,
de Vladimir Carvalho (Brasil, 2011)

por Raul Arthuso

No meu lugar

O cinema brasileiro dos últimos anos mantém uma relação muito ambígua com o lugar de origem. Se, por um lado, a produção se descentralizou e o lugar-base é elemento fundamental das narrativas, há uma idéia corrente de que uma história só tem amplo alcance no público se universal, deixando as marcas culturais do lugar como acessório visual da narrativa. Não é apenas por ser um documentário que Rock Brasília – Era de Ouro estabelece uma relação próxima com a capital federal, mas principalmente porque o foco de interesse do filme está na genealogia de um encontro neste local. O verdadeiro objeto de olhar do filme é a reunião dos jovens filhos de funcionários públicos, professores e diplomatas naquele momento específico e entender como isso desembocaria no movimento do rock brasiliense em meados dos anos 80.

Tanto é assim que o filme inicia com a montagem de entrevistas dos pais dos roqueiros contando como foi a chegada em Brasília, estabelecendo já de princípio essa relação de transitoriedade da cidade – algo que depois será reforçado pela migração das bandas Plebe Rude, Capital Inicial e Legião Urbana para o Rio e São Paulo para gravarem seus discos. Ao filme, mais importante que estabelecer quais bandas fizeram o que, interessa criar relações: como os pais encaravam as aventuras adolescentes dos filhos, como as bandas foram se formando a partir da reunião de garotos que pensavam igual entre si, mas diferentes em relação à maioria, e como tudo isso se relacionava com as características da cidade. Assim, é a particularidade do lugar e as relações pessoais nele, um movimento de entender um momento, um acontecimento, que move o filme.

O ponto alto dessa relação é o show da Legião Urbana no estádio Mané Garrincha em 1988, quando a banda estava no topo e uma série de conflitos entre Renato Russo e a platéia levou o show a ser um desastre (com Russo verbalmente recusando a cidade em um acesso de raiva). Essa sequência, se importante no contexto do filme, deixa exposto o grande problema da construção formal de Vladimir Carvalho. A montagem costura as imagens de arquivo do show com uma polifonia de entrevistas que historicizam o momento, não deixando que as imagens falem por si. Este gesto de descrever a cronologia, que aparecia bem timidamente antes, passa à frente após a sequência-chave do show, dando importância a algo até então externo ao filme. E a explicação cronológica opta pelo didatismo, quebrando um tanto a relação prazerosa do espectador com o filme.

Julho de 2011

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