in loco - cobertura dos festivais

Renegado do Leste (Indigène d'Eurasie),
de Sharunas Bartas (Lituânia/França/Rússia, 2010)

por Juliano Gomes

Diário de uma BuscaNatimorto

Renegado do Leste é um filme de recusa. Desde seu prólogo, que resume tudo o que veremos em seguida, fica claro que se trata de um filme de intenções políticas diretas, de crítica a um certo status quo do cinema e principalmente do mundo "globalizado", civilizado. O trajeto que acompanhamos é de um personagem quase sem nome que cumprirá seu destino trágico, anunciado no prólogo, através de um mundo que só se degrada, que só se afasta de si mesmo, de sua essência natural (representada aqui por elementos da natureza como a água e a neve). A alegoria se reforça na medida em que o próprio diretor encarna o protagonista que cumpre sua via crúcis através de uma Eurásia que só se degrada, ao passo que o mundo avança, e que o capitalismo global exclui - especialmente os países periféricos, simbolizados pelo protagonista de Bartas e sua falta de pátria.

O problema está menos na visão política simplista do que na maneira como isto se torna um filme. Se o mundo está indo pro ralo, assim também está o cinema, e assim Sharunas Bartas concebe uma espécie de filme B sem tesão, um thriller sem nenhuma vibração, onde nem mesmo as cenas de nudez gratuitas das belíssimas Elisa Sednaoui e Klavdia Korshunova salvam o filme do marasmo absoluto. O trajeto de "regressão civilizacional" que faz o personagem de Bartas - que obviamente culmina com sua nudez junto à natureza, quando não tem mais documentos e nenhum vínculo com estado de coisas que lhe hostil o tempo todo - é absolutamente monótono e previsível. As cidades que ele visita parecem estar guiadas muito mais por acordos de co-produção do que pelas necessidades narrativas ou espaciais do filme.

Diário de uma BuscaMas se tudo está morrendo, o que há de se fazer? Renegado do Leste é uma espécie de advertência atrasada, anacrônica, pois tenta ao longo de sua duração reiterar o que já está no prólogo, o que já era uma condição inicial. Não que o filme precise solucionar o problema que ele aponta, mas a maneira que encena o problema da falta de vínculo do homem, do filme, com o mundo, não é nem de indiferença total, e nem de algum tipo de proposição. Ao mesmo tempo em que se trata de um "anti-filme", na falta absoluta, de sensualidade, de suspense, ou de qualquer forma de modulação ou reconfiguração, parece que essa recusa impede uma possível potência do seu diagnóstico do mundo. Acaba por expressar uma acomodação absolutamente nula, onde a previsibilidade das cenas e o absoluto descaso de encenação (com sua enxurrada de closes sem nenhuma força dramática ou mesmo de presença) só tornam a experiência do filme totalmente tediosa. E este tédio acaba sendo um tédio da passividade, do consentimento, pois tudo está mal, o mundo só piora, e a relação do filme com este estado de coisas inexiste, pois nem mesmo ele apresenta algo que contradiga este estado, ou o afirme veementemente como visão de mundo. Trata-se de uma espécie de filme "ressentido", já que faz parte dessa cenário de degradação do homem (o mundo do capital, globalizado, das novas tecnologias e também das co-produções, por que não?), que parece envergonhado (assim como a própria interpretação do gângster de Bartas) na sua emulação de cinema assumidamente "vagabundo" (que só pode sê-lo evidenciando esses traços) e em todas suas opções estéticas. Se o objetivo é o de nos causar indiferença absoluta a esta apresentação melancólica de um mundo em destruição, pode-se dizer que a meta foi cumprida. E a radicalidade nessa missão talvez seja mesmo sua maior qualidade.

Setembro de 2010

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta