in loco - cobertura dos festivais
A Rede Social (The
Social Network),
de David Fincher (EUA, 2010)
por Filipe Furtado
Superfícies
análogas
Não custa muito tempo de A Rede Social
até compreendermos sua popular recepção em certos setores da crítica
americana, assim como uma inevitável reação contrária. É o perfeito
filme para uma idéia de cinema importante: um estudo de personagem
com todos os significantes certos para sugerirem que algo de fato
está acontecendo na tela (as constantes tentativas do roteiro
de Aaron Sorkin de reivindicar para o filme a posição de um Cidadão
Kane contemporâneo seriam patéticas, não fossem risíveis).
Só que os reais prazeres de A Rede Social são quase todas
de ordem superficial: os diálogos rápidos e envolventes, a fluência
das suas imagens, a trilha de Trent Reznor, seus ótimos atores
muito mais interessados em sugerir os pequenos tiques dos seus
personagens. A Rede Social acredita sinceramente na potencia
da superficialidade, e por conta disso a encontra.
De fato, esta é provavelmente a melhor porta de
entrada para o filme: o principal colaborador de Fincher aqui
não é nem a muito elogiada atuação de Jesse Eisenberg ou o celebrado
roteiro de Sorkin, mas a trilha sonora composta por Trent Reznor
e Atticus Ross. A dupla fornece o hyperlink entre as pequenas
ilustrações que Fincher encena. É justamente esta fluência que
serve como maior atrativo para o filme, a forma como ele se move
de uma cena absolutamente funcional para a próxima com incrível
facilidade. É um filme tão comprometido com esta idéia, que após
os seus primeiros 16 minutos ele mal tem seqüências dramáticas,
somente pequenas vinhetas ilustrativas que Fincher procura conectar.
Se há um conteúdo aqui, ele está intimamente ligado a isto. A
forma como alguns se adaptam a uma nova série de situações, de
como o Zuckerberg de Eisenberg vai de uma imitação de modelo de
comportamento a outra, como “The Facebook” de Harvard se torna
o Facebook de Palo Alto, como uma idéia elitizada (“garotas querem
sair com caras de Harvard”) se transforma num fenômeno social.
Apesar
de quase todas as críticas ao filme mencionarem ele não ser um
trabalho sobre o Facebook, o filme de Fincher não deixa de ser
um filme sobre a intimidade manufaturada. As superfícies de Fincher
criam um universo de relações análogas, não muito diferentes da
maneira como o roteiro de Sorkin imita dramaturgias melhores que
a dele ou de como Zuckerberg enxerga o Facebook como reprodução
de vida de faculdade. O próprio Zuckerberg de Fincher é uma imitação,
primeiro de uma idéia de homem de sucesso de Harvard, depois uma
variação mais nerd de Sean Park que ele toma como modelo.
O que eleva A Rede Social é justamente como Fincher não
olhar sobre este universo com qualquer condescendência. Se o texto
do filme é um olhar desconfiado de velha mídia, suas imagens sugerem
outra coisa muito mais arejada e moderna. Fincher se identifica
por demais com Mark Zuckerberg para não ver valor no seu trabalho
e observá-lo com curiosidade genuína. Pode se tratar de um filme
sobre relações artificiais construídas em volta de uma ferramenta
pensada para manufaturá-las, mas o olhar de Fincher sobre elas
não poderia ser mais legítimo.
Novembro de 2010
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