in loco - cobertura dos festivais
Rânia, de Roberta Marques (Brasil, 2011)
por
Juliano Gomes
Passagem
de volta
Desde sua bela sequência
inicial, Rania marca o espaço, o território
e seus limites, como o lugar de conflito principal. A protagonista,
vivida por Graziela Félix, precisa transcender o espaço,
sair dali, se colocar em trânsito, em movimento, e sair
da estagnação que paira sobre a cidade de Fortaleza.
Tal clareza de seu dilema central, entretanto, não se torna
uma vantagem para que se parta para a exploração
e complexificação dos elementos do filme, mas sim
uma espécie de âncora que não cessa de dar
de antemão o sentido da maioria das cenas e do desenho
dos personagens, além de uma idéia já bastante
desgastada de "Nordeste".
É curioso notar a identificação
bastante direta protagonista-filme, em seu dilema de ultrapassar
suas barreiras que lhe impedem de alçar os vôos que
deseja. Tal associação surpreende na medida em que
há uma clara consciência dos próprios limites
e do que precisa ser transposto. Em face do dilema entre o caminho
"fácil" e o caminho "da arte", (no
caso, "o bom"), quase sempre o filme vai optar pelo
primeiro, principalmente na construção dos personagens
(desde a protagonista até os coadjuvantes), que não
consegue dar relevo, densidade, às figuras já caracterizadas
de maneira absolutamente maniqueísta. Um pai pescador,
nordestino, cujo barco está com casco furado, que não
entende por que a filha "quer ter uma vida diferente";
uma "mãe nordestina", com todos os indícios
que caracterizam uma "lutadora", oprimida pelo cotidiano,
sua marcas no rosto e seu trabalho contínuo... tudo em
volta da personagem acaba por parecer antigo desde sua concepção.
Apesar do bom desempenho do elenco de maneira geral, há
uma esforço prévio de significação
a fórceps, seja no uso da trilha sonora, ou no paralelo
boate-sala de dança. Em quase nenhum momento, o filme tenta
diluir suas bases inicias, ou matizar os lugares da puta, da artista,
do trabalhador oprimido, e tal reificação contínua
acaba por dificultar muito o desenvolvimento do filme.
A
identificação se inviabiliza na medida em que Rânia,
a protagonista, acredita em si mesma como agente da quebra que
precisa ser feita, ao contrário do filme. Apesar dos limites
postos com clareza, o filme não consegue transcender sua
estrutura polarizada para trazer seus conflitos para outras bases.
As idéias de arte, de classe social, parecem muitas vezes
estampadas na testa dos personagens, apagando eventuais brilhos
de intensidade real, que acontecem principalmente entre Graziela
e Nathaly Rocha, mas para os quais o filme parece ligar pouco.
Há um desejo de fixação dos lugares e cristalização
dos conflitos, como por exemplo nas metáforas do moinho
e as luzes da cidade, que atrela o filme a enunciados que o precedem.
Mesmo nas tentativas de "poetizar" a cena via voz em
off, há um universo de relações que chega
natimorto. Assim, todo seu esforço de encenação,
de criação de uma espaço novo, indecidível,
aberto - o espaço da arte, enfim - se esvazia.
Outubro de 2011
editoria@revistacinetica.com.br |