in loco - Festival de Brasília
Uma raridade redescoberta
por Cléber Eduardo
O Quinto Poder, de Alberto Pieralisi (1962)
Um dos pontos altos da programação do Festival
de Brasília até agora foi a exibição, no CCBB local, da cópia
digitalizada de O Quinto Poder. Com roteiro e produção
do espanhol Carlos Pedregal (presente na sessão), direção do italiano
Alberto Pieralisi e um elenco de jovens futuros veteranos (Eva
Wilma, Oswaldo Loureiro, Sebastião Vasconcelos), o filme estava
fora de circulação há 40 anos. Seus negativos foram destruídos,
e a única cópia restante era a que foi exibida no mercado em Berlim,
em 1963 – um ano antes de Pedregal exilar-se por causa do golpe
de 1964.
O vínculo assumido pelo filme é com o cinema de
gênero (thrillers e ficções científicas), sendo possível
ver afinidades com Vampiros de Almas, de Don Sieguel (e
com o posterior Eles Vivem, de John Carpenter), mostrando-nos
um imaginário bem americano, da difusão do medo do invasor. Elege-se
a ameaça externa como problema maior – o que, em 1962, quando
os filmes do Cinema Novo percorriam as profundezas do Brasil,
era uma característica no mínimo singular. Olhar apenas para fora
significava deixar de olhar para dentro e procurar a manutenção
de um estado de coisas.
A pauta estética de 1962 também não está na imagem.
Embora haja soluções cênicas, trânsito pelo espaço público e elipses
de tempo derivadas do cinema moderno, que então protagonizava
as discussões críticas e as experiências mais interessantes, a
matriz é a narrativa com continuidade da ação. O Quinto Poder
segue esse modelo, não sem preocupação com o enquadramento de
efeito estético, não sem dar tempo para a observação dos acontecimentos
menores, estabelecendo-se como um híbrido no mínimo instigante.
O filme tem como protagonista um jornalista, que,
como reza a tradição das histórias sobre teorias conspiratórias
e invasores de corpos, tenta desbaratar um sistema de lavagem
cerebral subliminar, instalado por alemães em antenas de rádios
e TV. Essa denúncia paranóica com a manipulação dos interesses
externos no país, ambientada no Rio de Janeiro, tem momentos fortes
nas passagens clímax (perseguições de carro, um briga no bondinho
do Pão de Açúcar, uma escalada interna do Cristo Redentor). São
nesses momentos que Pieralisi salta aos olhos, revelando-nos controle
de sua feitura, arriscando-se por organizações de ações bastante
complexas
Por associar a intromissão estrangeira com uma
revolução do povo manipulado, sem reivindicações contra e a favor
de nada (após uma fase de pobre matando pobre), O Quinto Poder
apresenta um lado nacionalista e reacionário, com um misto de
xenofobia e defesa da manutenção da ordem. Filmado nos anos JK
e lançado na gestão Jango, já na vizinhança histórica com a tomada
de poder pelos militares em 1964, seu medo da revolução hoje soa
ambíguo, pois tanto pode se referir aos sonhos da esquerda pós
Revolução Cubana (dois anos antes) quanto à crescente interferência
no terceiro mundo dos EUA. Em qualquer hipótese, a atmosfera de
época (Guerra Fria) está bastante evidente. Sua sintonia com o
momento histórico está de forma enviesada o golpe de 1964 como
Terra em Transe esteve para o AI-5 em 1968, mas, em vez
de Glauber, seus parentesco estético é com o futuro Roberto Farias
(na fase de aventuras com Roberto Carlos), que filmou como ninguém
esse registro de gênero no Brasil.
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