Quanto Dura o Amor?, de Roberto Moreira (Brasil, 2009)
por Francis Vogner dos Reis

A prisão dos procedimentos

Cinema é sempre uma questão de aproximação e de distanciamento. Dizer isso não é impor uma norma geral sobre a qual se deva compreender o universo dos filmes e mesurar o seu valor, justamente porque não há uma fórmula ou um só método para fazer as coisas. É somente compreender que as coisas passam pelo engajamento do diretor e a sua entrega em dominar essa técnica que, como dizia o crítico Louis Skorecki, tem como material o mundo. É ai que o cinema aparece, é ai que ele deixa de ser representação e interpretação das coisas para ganhar vida e, nos casos mais acidentados, para pelo menos vê-la de frente.

Ambos os filmes de longa-metragem de Roberto Moreira sofrem dessa angústia de ter de existir nesse limiar entre a técnica (como meio e ferramenta de criação de um universo) e o mundo concreto. Contra Todos era um filme que tinha uma estrutura dramática rígida e se fazia por meio de um estilo (na verdade, rascunho de estilo) que queria encenar seu drama com a força expressiva que o texto estimulava. Mas o engodo era que tanto sua estrutura dramática quanto sua forma - escolhas de pontos de vista, de decupagem, de ritmo - chamavam a atenção para si, como se o valor dessas coisas residisse nelas mesmas. Víamos o drama e a técnica somente, o que fez com que o filme fosse de uma artificialidade que simulava autenticidade de processo e experiência que não ganhou feição no filme além daquelas que o roteiro e uma câmera histérica ofereciam aos personagens.

Agora, em Quanto Dura o Amor?, o cineasta parece mais conciliado com o método empregado. Só que esse método é ainda refém das suas intenções dramáticas. Ao invés de deslocamentos de câmera, planos fixos; troca o amargo pelo agridoce; a limitação das cores de uma textura digital por uma variação mais ampla de cores que a película dispõe. Assim, as escolhas parecem ao menos mais conseqüentes, menos oportunas e mais conscientes que respondem, muito obviamente, a uma necessidade de expressar na imagem o que a história propõe. O novo filme de Moreira tem a virtude de desejar uma aproximação mais estreita dos personagens e um pouco mais acurada dos espaços íntimos e urbanos, mesmo que no fim das contas não tenha a respiração e a pulsação necessárias para fazer disso algo valoroso, porque é tão mediado pelo "bom procedimento", pelo rigor da estrutura dramática e das composições dos planos (enfim, da carpintaria cinematográfica), que ele se torna um filme biônico.

Apesar da entrega claramente maior, Quanto Dura o Amor? faz dentro da carreira de Moreira simplesmente uma transição do sórdido e do baixo para o prazeroso e afetivo. Só não é trocar seis por meia dúzia porque "acarinhando" os personagens, o cineasta se interessa mais por eles. Tanto a garota do interior Marina (Silvia Lourenço) quanto a advogada paulistana Suzana (Maria Clara Spinelli) são caracterizadas com naturalismo tão marcado que, apesar do bom trabalho das atrizes, parecem fadadas a ficarem presas nesse método, pois o improviso em plano seqüência tem em si mesmo a ambição de trazer verdade para o filme. A verdade do ator, sabemos, nem sempre se conjuga à verdade da cena.

Existe uma inclinação dentro do filme para liberar os personagens, para aproximá-los da vida, afastá-los da prisão da estrutura dramática e da necessidade em criar composições expressivas. O escritor Jay é o exemplo isolado. Nele, não vemos tanto quanto nos outros personagens uma necessidade de responder a todo o momento ao fundamento do filme. Ao mesmo tempo em que o amor também o move, ele vive para além disso. Participa da história e se descola dela ao mesmo tempo. O filme não o obriga a compartilhar do destino simultâneo das outras duas personagens, até mesmo porque ele não carrega o peso de ser protagonista. Está a parte do mecanismo que oprime as possibilidades positivas do filme. Comparar a porção de Jay no filme com a das personagens Suzana e Marina mostra que Roberto Moreira não libera as forças que coloca em jogo. O paralelismo do destino das duas personagens denuncia o mecanismo e, por fim, joga uma pá de cal em cima das possibilidades do filme, que começa promissor mas vai enfraquecendo gradualmente, em prestações, até não sobrar nada.

Julho de 2009

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