Prova de Artista, de José Joffily (Brasil, 2011)
por Juliano Gomes

Medida provisória

Desde seu título, Prova de Artista apresenta um conflito entre duas dimensões, duas lógicas: a da prova, do teste, dos dados, da hierarquia e da informação, e, por outro lado, a da arte, do que não tem medida certa, extensão definida, e que é, por natureza, móvel e mutante. Para encenar esse conflito, Joffily opta pelo formato do filme painel, como nos seus dois documentários anteriores que se estruturam de maneira parecida, Vocação do Poder e Devoção. Escolhe-se um grupo de personagens que estão em posições semelhantes em relação ao conflito principal (aqui, o de ser um músico vinculado a grandes orquestras brasileiras) e se explora as diferenças na maneira de cada um a lidar com este drama compartilhado.

Entre as duas correntes que constituem esse conflito de mundos distintos e que não param de se chocar, o filme opta pelo universo mesmo do trabalho, do ofício artístico e sua relação com a vida cotidiana de jovens músicos iniciantes. Constitui-se de fato um panorama de razoável variação dentro deste conjunto pré—determinado, onde essa figura do músico e seus dilemas práticos em relação às suas incertezas de uma carreira são colocados. Mas o que acaba por limitar o alcance da investigação aqui é justamente um apego ao método que se expõe já nos primeiros minutos de filme. Em nenhum momento vamos sair de uma certa estrutura que, de alguma forma, prevê o que dela pode surgir. Se por um lado há uma louvável curiosidade científica (em termos de método) em um filme que não quer em nenhum momento transcender a si mesmo e a seu universo delimitado, por outro ele se constitui em si como uma prova, um exame, e apresenta assim a faceta definidora de um dos lados do embate que mostra, sem com isso desembocar numa síntese.

Apesar das gravações nas casas dos personagens e nos locais de ensaio, em quase nenhum momento o filme investe em criar de fato uma cena, no sentido dramático e da disposição de elementos expressivos variantes num tempo e espaço específicos. A atenção que o leva a ser um filme “de assunto” acaba por limitá-lo a ser um filme prioritariamente de discurso, de informação, de coleta de dados, tornando morna a experiência de atravessá-lo. Ao contrário de Wiseman, que vai analisar as instituições com seus grandes painéis constituídos através de um grande poder de “ficcionalização” das partes (no sentido da composição) sem perder de vista o “mundo”, o que se tem aqui são diversas situações que desenvolvem seu drama a partir do discurso que está na boca dos personagens. Ao depender da força dessas narrações, muitas vezes o filme se repete e se esfria e deixa de explorar uma matéria que ali se insinua em cada um dos personagens, vivendo essas situações de grande tensão, tensionando seus limites nas audições para as orquestras.

É notável porém uma das únicas vezes em que o filme se incumbe de nos mostrar a música em ato, através do interessante personagem do violinista americano. Em talvez menos de um minuto de filme se condensa, ali, para nós, a essência desse drama, de um trabalho que tem objetivo colocar tudo em suspensão, e um mundo que, para lidar como ele, precisa limitá-lo, trazê-lo para uma lógica que, se não o anula completamente, o amputa. Num simples plano próximo dos mais interessantes, surge a impressão de que algo se modificou, que algo saiu do lugar e fugiu à regra. É esse lado do conflito que falta à experiência de Prova de Artista para ele se tornar mais justo e ajustado ao conflito que propõe, afirmando assim a impossibilidade de conciliação entre esses universos que não param de se tocar e produzir fagulhas. E são justamente essas centelhas que ao filme parecem não interessar tanto.

Outubro de 2011

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta