in loco
Dois cinéticos em Portugal
por Leonardo Mecchi

Santa Maria da Feira é uma pequena cidade portuguesa ao sul de Porto, com cerca de 13 mil habitantes e 8,4 km2 de área. Como toda pequena cidade européia, não há muito a ver além do centro histórico e de um belíssimo castelo.

Pois é desse cenário inusitado que surgiu uma iniciativa das mais interessantes: um festival de cinema luso-brasileiro, a atrair e propor o diálogo entre duas cinematografias que, embora aproximadas pela língua em comum, ainda permanecem como duas estranhas desconhecidas (salvo as sempre raras exceções que, de ambos os lados e de tempos em tempos, conseguem de alguma forma cruzar o Atlântico). Chegando este ano à sua 10ª edição, o Festival de Santa Maria da Feira conseguiu atingir um porte interessante: é grande o bastante para atrair tanto nomes consagrados quanto promissores de ambas os países, enquanto, ao mesmo tempo, ainda é pequeno o suficiente para permitir que esse encontro se dê de uma maneira descontraída, onde o intercâmbio de idéias e experiências se sobressaem a eventuais regionalismos ou preconceitos.

Tendo disponibilizado ao público português, ao longo destes últimos anos, obras de dois dos editores da Cinética (Eduardo Valente e Felipe Bragança já tiveram alguns de seus curtas exibidos por aqui) e de um de seus colaboradores (Kleber Mendonça teve seu Eletrodoméstica premiado como melhor filme ano passado, além de ter outros filmes exibidos), a organização do festival decidiu nesta sua 10ª edição contemplar a outra faceta da Cinética – a crítica – convidando a revista a cobrir o evento, tarefa para a qual fui escalado (junto com o editor Felipe, que mostra seu novo curta por aqui). Graças a esse convite, vocês terão aqui em nossas páginas (virtuais) na semana que vem um balanço do que aconteceu em Santa Maria da Feira nesta semana (e não só nas telas, porque muito acontece fora delas de importante).

Pela escalação do evento, já dá para saber o que priorizar: excepcionalmente este ano, a quase totalidade dos longas metragens em competição no Festival são de filmes brasileiros que já foram devidamente discutidos por aqui: A Concepção, Crime Delicado, Incuráveis, O Céu de Suely, Proibido Proibir e Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock´n´Roll (com a abertura ficando a cargo de A Casa de Areia). A única exceção lusitana ficou a cargo de Transe, longa de Teresa Villaverde que representou Portugal na Quinzena dos Realizadores do último Festival de Cannes e que passou pela Mostra de São Paulo – sem atrair a devida atenção. Com os longas já devidamente vistos e revistos, nossas atenções acabarão provavelmente concentradas na competição de curtas-metragens e nas mostras paralelas.

Na competição de curtas, concorrem 11 filmes brasileiros e 7 portugueses. Entre os brasileiros, chamam a atenção a première mundial de Aranhas Tropicais, novo curta de André Francioli (do premiado O Mundo Segundo Silvio Luiz); o pouco visto e muito falado Beijo de Sal, de Felipe Gamarano Barbosa; e o recém-premiado Noite de Sexta Manhã de Sábado, novo filme de Kleber Mendonça Filho (além da primeira exibição em película de Jonas e a Baleia, de Felipe Bragança). Já entre os portugueses, chegam cercados de expectativas Rapace, filme de João Nicolau que foi exibido na última Quinzena dos Realizadores de Cannes; Cântico das Criaturas, retorno de Miguel Gomes ao formato curta após o sucesso de seu longa de estréia A Cara que Mereces (prêmio da crítica e melhor fotografia no IndieLisboa e eleito filme do mês na edição de maio da Cahiers du Cinéma); e a animação História Trágica com Final Feliz, de Regina Pessoa, que vem realizando uma premiada carreira por festivais europeus e que, inclusive, arrebatou dois prêmios no último AnimaMundi, e passou no Brasil ainda nos festivais de São Paulo, Femina e atualmente na Curta Cinema.

Ainda entre os curtas, a mostra paralela "Somos Todos Filhos da Terra" reserva espaço para aqueles filmes produzidos fora do suporte 35mm, contemplando desde o megasucesso Tapa na Pantera (de Rafael Gomes, Mariana Bastos e Esmir Filho – cujo curta Alguma Coisa Assim também esta na competição oficial) até a premiada animação portuguesa Stuart, de José Pedro Cavalheiro – ou, simplesmente, Zepe como é conhecido por aqui. Reforçando sua proposta de trazer ao público português tanto nomes consagrados do cinema brasileiro quanto suas apostas para o futuro de nosso cinema, o sempre atento curador do Festival, Américo Santos, preparou para este ano duas mostras especiais retrospectivas (em anos anteriores jovens realizadores como José Eduardo Belmonte e Allan Sieber já tiveram sessões semelhantes programadas): uma dedicada ao cineasta carioca Gustavo Acioli (que inclui seus quatro curtas – Cão Guia, Numa Noite Qualquer, Nada a Declarar e Mora na Filosofia – e seu longa de estréia recém-lançado no Brasil, Incuráveis); e outra para o baiano Edgard Navarro, composta de cinco de seus curtas e do mítico média-metragem Superoutro (lamentando-se apenas a ausência na programação de seu recente longa Eu Me Lembro, que traria uma visão mais completa da obra de Navarro para o público português).

Completam o festival um programa com três documentários brasileiros de temática social (À Margem do Concreto, Atos dos Homens e Meninas), uma pequena homenagem aos 25 anos da morte de Glauber Rocha (incluindo aí uma rara exibição de Di e algumas outras sessões especiais). Certo é que, do conjunto de todas essas sessões, assim como de todos os debates, conversas informais e festejos que marcam este grande encontro transatlântico que é o Festival de Santa Maria da Feira, sairá muito assunto para os nossos leitores na semana que vem.


editoria@revistacinetica.com.br


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