in loco
Cannes - Análise pré-Palmas e outros prêmios
por Eduardo Valente

A competição de Cannes chega ao seu momento mais “hypado”, a premiação, e curiosamente há tantas dúvidas sobre ela quanto havia no começo. Num ano marcado, acima de tudo, por um equilíbrio bastante grande entre vários filmes, mais do que nunca devem sobressair as idiossincracias do júri – e de seu presidente, Wong Kar-wai. Um júri nunca funciona com uma pessoa só, mas o presidente do júri em Cannes diz muito do andamento da premiação, e é uma das marcas do Festival (fala-se sobre “o ano do Tarantino”, por exemplo, menos para falar de sua vitória com Pulp Fiction do que para se referir a quando ele foi presidente, em 2004). Ano passado, por exemplo, funciona bastante para que se entenda o papel do júri: o presidente Emir Kusturica não conseguiu impor o seu favorito para a Palma de Ouro (Flores Partidas), mas além de dar para o filme o segundo prêmio (o Grande Prêmio do Júri), impediu que o favorito da maioria (Caché) ganhasse a Palma. Ou seja: os poderes do presidente não são totais, mas sua influência é enorme. Como o júri só fala depois da premiação (e mesmo assim na maioria das vezes não comenta detalhes sobre o processo), é inútil ficar tentando agora brincar de adivinho – e o passado ensina também que basear no cinema do presidente previsões para prêmios é um tanto quanto arriscado.

Por isso mesmo, acabamos falando da lógica sobre o que foi visto, e como foram recebidos os filmes – embora isso também não garanta nenhum sucesso em previsões, pelo menos nos permite falar baseados em fatos. Volver foi o filme que liderou quase de ponta a ponta o quadro do Festival na revista Screen International – com uma das maiores notas médias em mais de 20 anos. Porém sua vitória não é certa, embora seja a aposta mais provável. Sua única fraqueza é quase surreal, mas conta pontos: a qualidade dos filmes anteriores de Almodóvar. Há um medo sempre em se estar premiando um filme bom, mas não “o melhor” de um cineasta, e com isso deixar claro que se premiou a obra como um todo. Volver está longe de ser um filme menor, mas também não é unanimidade como a grande obra de Almodóvar, que já perdeu quando se esperava que ganhasse, com Tudo sobre Minha Mãe. Porém, mais do que suas qualidades, ele parece ter boas chances por dois motivos fora de sua própria alçada: não há outro filme tão unanimemente laudado, e porque tanto o diretor quanto o filme têm a rara capacidade de não ter “inimigos”. Ou seja: todo mundo quer que Almodóvar ganhe uma Palma, e na hora de uma discussão acalorada no júri, não parece haver alguém que vá detonar o filme com força (foi assim que A Criança levou no ano passado, por exemplo).

Os dois filmes que foram os mais bem considerados pela média da crítica contam com o imponderável, pois não são unanimidades, e aqueles que não gostam deles parecem realmente não gostar. São Babel e Marie Antoinette. Em ambos os casos, uma Palma de Ouro não seria uma surpresa enorme (é verdade que isso é mais verdade para o filme de Iñarritu), mas tudo depende se alguém (ou “alguéns”) no júri não se opõe radicalmente a eles. Se houver opositores, ainda assim têm chances nos prêmios menores – e aí sim o filme de Iñarritu, a julgar-se pela média, realmente deve ganhar algo (mas, não custa lembrar, tinha-se como certos prêmios para Dogville e Mystic River em 2003, e os dois saíram de mãos abanando). Surgiu um curioso e inesperado quarto favorito no último dia de competição, de onde ninguém poderia esperar: El Labirinto Del Fauno, de Guillermo Del Toro, é realmente um filme impressionante, e que partilha com Almodóvar a capacidade de não parecer ter opositores. Pode levar vantagem, porém, neste quesito do inesperado, da descoberta repentina de um “autor maior”, que alguns júris gostam de reforçar. Assim como Babel, mesmo que não leve a Palma, deve sair com algum prêmio.

Quanto a azarões, por definição são todos aqueles que não são os favoritos claros. No entanto, há alguns mais prováveis, claro. Neste grupo se incluiriam os filmes realmente divisores de água, entre os quais o mais destacado é Juventude em Marcha, claro. No quadro da Film Français, o filme levou duas Palmas de Ouro, mas também o maior número de cotações mínimas – ou seja, causa divisões. Se o boato de que Wong gosta dele for verdadeiro, certamente sai com pelo menos um Prêmio do Júri. Se não, pode sobrar. Depois destes, há uma certa igualdade de chances entre alguns filmes que são menos cotados pra Palma (embora não seriam considerados absurdos), mas que têm grandes chances de prêmios. Seriam eles Flandres e Iklimler (se o júri pender mais para o clássico “cinema de autor”), e Indigènes se o caminho for o de um cinema mais popular. Para além destes, só mesmo La raison du plus faible e Crónica de una fuga não seriam um choque total numa premiação maior – principalmente pelo seu conteúdo.

Há alguns filmes que parecem ter claras chances de ganhar prêmios de interpretação, sendo eles: Quand j’etais chanteur (Depardieu), Summer Palace (Lei Hao – embora a favorita seja Penélope Cruz), Red Road (ambos do casal protagonista – sendo que o filme também tem boas chances na Camera D’Or e em prêmios menores) e Selon Charlie (talvez um prêmio coletivo, ou ainda o de roteiro). Dentre os outros filmes, Il Caimano, The Wind tha shakes the bailey  e Les Lumiéres du Faubourg dividiram muito as opiniões, e como seus diretores já ganharam prêmios importantes em Cannes, parecem fadados a não serem premiados este ano (mas, Cannes ama seus filhos diletos, então nunca se sabe). E, finalmente, apenas 3 dos 20 filmes em Competição parecem realmente estar fora da briga por completo (prova do dito equilíbrio): L’amico di famiglia, Fast food nation e Southland Tales. Prêmios para qualquer um destes sim constituiria uma surpresa completa. O que é sempre divertido, aliás. Aguardemos para logo mais ver.

* * *

Ah, sim, para quem esteja se perguntando: não, eu não vou dar os meus prêmios pelo simples fato de não ter visto 3 dos filmes em Competição, sendo que pelo menos um dos favoritos. Aguardo, e depois que vir Il Caimano e Marie Antoinette na semana que vem, eu dou minhas impressões mais claras, mesmo que atrasadas.

* * *

Enquanto isso, as outras sessões do Festival e os críticos já distribuíram prêmios: na Un Certain Regard, o principal prêmio dado pelo júri presidido por Monte Hellman foi para o filme de Wang Chao, Luxury Car (de fato, possivelmente o melhor filme exibido na sessão, que este ano esteve notadamente menos interessante que a Quinzena dos Realizadores). Além deste, o júri deu um prêmio especial para Ten Canoes, de Rolf de Heer (que vejo esta semana), o de ator para o mexicano El Violon, de Francisco Vargas (idem) e o de atriz para o romeno Comment j’ai feté la fin du monde. Hellman ainda criou um curioso “prêmio do presidente” (idéia que pode acabar pegando, dando a chance da expressão pessoal completa dos presidentes de júri), que entregou para Meurtrières, “pelo roteiro, direção e a descoberta de sua atriz principal (Hande Kodja)”. A cerimônia foi seguida pela exibição do filme Re-cycle, dos irmãos Pang (de Hong Kong), que vi durante 45 minutos antes de desistir perante o sono. O começo é profundamente, mas profundamente desinteressante. No entanto, acordando para ver as partes finais, acho que o filme vai merecer uma segunda chance quando de sua estréia no Brasil (é um dos já comprados). Este filme de horror como sessão de encerramento, representa mais um dos vários passos do atual “curador” de Cannes, Thierry Fremeux, rumo ao cinema de gênero.

Na badalada Quinzena dos Realizadores, os prêmios são o menos importante, de fato, ganham pouco destaque. São três (fora os de curtas), e seus nomes mesmo não ajudam muito a entender o que os diferencia. No entanto, é sempre uma anotação sobre três filmes em meio aos vários interessantes ali mostrados. Vamos a eles: o prêmio Arts et Essai, dado pela cadeia de salas de cinema de repertório francesas foi para o italiano Anche livero va bene, de Kim Rossi Stuart (ator do último filme de Gianni Amélio, ). O prêmio Regard Jeune (olhar jovem, para primeiro ou segundo filmes) foi para o americano Day night, Day night (que verei nesta semana). E, finalmente, o prêmio Europa Cinema, ao qual só concorrem os filmes europeus, foi para o romeno A fost sau n-a fost?.

Por final, na “prima pobre” (não só pela menor atenção que recebe, mas até pela quantidade de concorrentes – apenas sete), a Semana da Crítica, o Grande Prêmio foi para Lês amitiés malefiques, de Emmanuel Bourdieu. É verdade que a Semana dá quase mais prêmios do que tem concorrentes, mas é com alegria que noticiamos que o curta brasileiro Alguma coisa assim, de Esmir Filho, saiu com um prêmio pelo seu roteiro (e com 2 mil euros por isso!).

A Fipresci (associação internacional da crítica, que dá prêmios em vários festivais do mundo – inclusive o Festival do Rio) manteve-se firme na tradição de premiar o “cinema de autor”, geralmente na sua assepção mais empoeirada, dando seu prêmio da Competição para o turco Iklimler. Os júris da crítica foram mais surpreendentes na Un Certain Regard e na Quinzena, premiando respectivamente o paraguaio Hamaca Paraguaya (sem dúvida, um filme ousado – ainda que menos do que gostaria) e o filme de William Friedkin, Bug, talvez o filme mais impressionante do Festival, mas que poderia sofrer com o preconceito pelo seu trabalho dentro do “cinema de gênero”. Finalmente, o júri ecumênico resolveu premiar Babel, de Iñarritu (escolha que faz todo sentido, entendam como queiram...), com uma menção para o polonês Z Odzyscu – mantendo uma coerência ao premiar dois “cautionary tales”.

 

 


editoria@revistacinetica.com.br


« Volta