in loco Antes
do Festival: dicas e expectativas por Eduardo Valente
Vamos nós de novo a um mergulho intensivo no cinema, com
o começo do Festival do Rio (depois complementado pela Mostra de SP). Excluídas
algumas mostras muito boas (e o CCBB-RJ demonstra mais uma incrível falta de timing
colocando uma das melhores do seu cardápio de 2007 – Rossellini e a TV
– para acontecer bem durante o Festival), este é o momento máximo do ano para
o cinéfilo – embora, sem dúvida, em tempos de emule e afins os dois grandes eventos
já não tenham o gosto de ineditismo que tiveram antes (e nem estamos nos referindo
aqui a fenômenos como o de Tropa de Elite, mas principalmente à curiosidade
justificada que já fez alguns espectadores verem filmes de um ou dois anos atrás
que só passam agora no Festival). Mas isso é duplamente positivo: primeiro porque
o espectador não fica mais refém das comissões de seleção de dois eventos (que,
afinal, já comeram várias moscas essenciais ao longo dos anos); segundo porque
cinéfilo que é cinéfilo irá ao cinema ver (ou rever) os filmes que mais o interesse,
de qualquer maneira. Num ano que consolida a opção do Festival
por tirar a importância das retrospectivas (afinal, entre o documentarista Stanley
Nelson, uma mostra em homenagem a John Wayne todinha em DVD e uma mostra de clássicos
chineses no mesmo formato, a melhor retrospectiva no Rio nestas semanas é disparada
a do CCBB), é óbvio que o maior destaque fica para o painel do cinema contemporâneo.
Donde chegamos ao filé desse nosso artiguinho anual: como ajudar o cinéfilo que
se vê frente à miríade de títulos em exibição no Festival deste ano? Vamos tentar
dar alguma luz, então (aqui você pode
ver uma lista dos filmes comprados para distribuição no Brasil). Cannes
2007: o off-Rio e o off-CinéticaÉ curioso que, embora Cannes
seja o centro inegável do mundo cinéfilo, não é de lá que vem o maior contingente
de filmes neste ano de 2007. De fato, a lista deste ano é bastante sub-dimensionada
quanto à competição de Cannes: exibe apenas 8 dos 21 concorrentes ainda inéditos
no Brasil (Zodíaco já passou em circuito). Embora essa lista inclua os
ganhadores dos três principais prêmios (Palma de Ouro, Grande Prêmio do Júri e
Direção – respectivamente 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias; Floresta dos
Murmúrios; e O Escafandro e a Borboleta) ela me surpreendeu ao deixar
de fora títulos bastante aguardados – seja pelos nomes envolvidos (irmãos Coen,
Wong Kar-wai, Kusturica), seja pelo inegável impacto dos filmes (Chansons d’Amour,
Tehilim, We Own the Night, Secret Sunshine). Certo que a
maioria ou aparecerá em SP (como deve acontecer com os novos Sokurov e Béla Tarr,
“queridinhos” da Mostra) ou no circuito em breve – mas ainda assim o cinéfilo
ansioso sente suas ausências (e até mesmo a de filmes que eu realmente não gosto
como os de Ulrich Seidl, Andrey Zvyagintsev ou Fatih Akin). Mas,
este é um texto sobre o que está em exibição, então destaquemos da lista da competição
de Cannes cinco títulos essenciais: o Tarantino ensandecido de Death Proof;
o ganhador romeno da Palma de Ouro (que, curiosamente, agora será visto cercado
de pompa e circunstância que o prêmio confere, enquanto em Cannes talvez tenha
agradado tanto justamente pela surpresa); o filme de Naomi Kawase; Paranoid
Park, é claro (que, é bom que se diga, foi exibido em digital em Cannes, assim
como será no Rio – embora, claro, em equipamento de maior definição); e, finalmente,
o belo filme de Catherine Breillat, que corre o risco de passar em branco como
passou na premiação, mas a que se deve prestar atenção. Para
além da competição, há alguns dos filmes mais fortes exibidos em Cannes em outras
seções do Festival (ainda que vários outros tenham ficado faltando, como Olivier
Assayas, Wang Bing, Serge Bozon, Hou Hsiao-hsien, Roy Andersson, Nicolas Klotz...
perdão, eu não consigo me controlar!!). Entre eles é curioso poder (re)ver Go
Go Tales, de Ferrara, logo depois de termos (re)visto em cartaz A Morte
do Bookmaker Chinês, de Cassavetes – a inspiração, totalmente assumida, é
mais do que clara. Além de Ferrara, porém, há outros filmes a não se perder, como
o ganhador do Um Certain Regard, California Dreamin’; ou os belos Savage
Grace e Control, ambos da Quinzena. Para saber mais sobre estes e outros
filmes de Cannes, vale ver a lista de filmes que já
comentamos na nossa cobertura do Festival. Mas, chamo
a atenção de que, para além desses mais mencionados por aqui, vale atenção especial
para alguns filmes que passaram abaixo do radar em Cannes (inclusive na nossa
cobertura). Na seleção oficial foi o caso do novo filme de Nicholas Philibert,
Retour en Normandie; enquanto na Um Certain Regard muitas coisas boas foram
ditas sobre Calle Santa Fé. No entanto, as maiores surpresas talvez venham
mesmo da Quinzena e da Semana da Crítica – até por passarem por aqui em mostras
menos “respeitadas” que o Panorama do Cinema Mundial. Assim, vale se programar
para ver, em especial, Antes que eu Esqueça (perigosamente escondido na
mostra Mundo Gay); Zoofilia (cujo título pode levar a pensar ser apenas
mais um filme bizarro da Midnight Movies, quando é um rigoroso trabalho de docu-ficção);
e O Assaltante (um dos filmes mais elogiados da Semana da Critica, que
se mistura aos vários filmes canhestros que a Première Latina mostra todos os
anos). Berlim, VenezaNo entanto,
é importante olhar para além-Cannes – o que nesse ano em especial significa olhar
para Berlim, festival aliás de onde será mostrada uma maior porcentagem dos filmes
em competição neste ano (13 de 22 – sendo que, dos outros nove, dois já foram
exibidos em circuito no Brasil e um lançado em DVD). De Berlim parece menor, inclusive,
o número de ausências importantes (só duas: o novo de Jiri Menzel e o bem premiado
Beaufort), enquanto teremos a chance de ver os novos de Rivette, Techiné
e Li Yu – além de apostas mais novas como Yella, Hallam Foe e El
Otro. Já do Panorama, segunda mostra de Berlim, há alguns filmes médios (como
Anna M. ou Interview), mas o destaque mesmo fica para Lady Chatterley
e A Mulher na Praia – estréia do coreano Hong Sang-soo em festivais no
Brasil. Com esta seleção de filmes, Berlim talvez supere o impacto de Cannes no
Festival do Rio. Já do Festival de Veneza, até pela proximidade
do Festival do Rio, é sempre mais difícil a vinda de títulos, e a maioria dos
que chegam são filmes que não tardam a estrear (como, em destaque, os novos de
Wes Anderson e Kenneth Branagh). Mas também não dá para fazer pouco de uma lista
que nos traz Todd Haynes, Chabrol, Manoel de Oliveira ou o Leão de Ouro de Ang
Lee... Mas claro que, mesmo entendendo as circunstâncias, dá muita vontade de
lamentar a proximidade no calendário que nos impede de ver, por enquanto, Brian
De Palma, Rohmer, Kitano, Chahine, Miike ou Abdellatif Kechiche). Outros
destaquesOra, acima falamos dos festivais deste ano, mas
ainda há uma série de filmes chegando dos festivais do ano passado para nós, cujo
ano de atraso não torna menos importantes. É o caso de alguns filmes já exibidos
em SP no ano passado (Eu Não Quero Dormir Sozinho, Síndromes e um Século,
O Sol, Sempre Bela), mas também de Império dos Sonhos, de
Lynch; Hana, de Hirokazu Kore-eda; Luxury Car, de Wang Chao (ganhador
da Un Certain Regard em 2006) ou o bem menos high-profile, mas muito falado Em
Paris (destaque da Quinzena dos Realizadores em 2006). Há até um filme (não
particularmente forte) exibido na competição de Cannes de 2005 (o japonês Humilhação). Para
alguém que teve a sorte de poder ir a Cannes este ano, talvez a seção mais apetitosa
do Festival seja mesmo a Première Brasil. Afinal, poderemos ver o novo de Eduardo
Coutinho ou de Cao Guimarães, além de acompanhar algumas estréias bastante curiosas
entre as ficções, como as de Chico Teixeira e Sandra Kogut, além dos segundos
filmes de Paulo Caldas, Guilherme Coelho e Maria Augusta Ramos, e a volta após
longo inverno de Guilherme de Almeida Prado. Há ainda uma série de filmes que
são incógnitas apetitosas, como Sem Controle (cujo trailer promete um abraço
ao cinema de suspense comercial pouco tentado no Brasil) e três filmes de realizadores
jovens com carreiras consistentes nos curtas e que estréiam em longa, na seção
Novos Rumos (Ainda Orangotangos, Corpo, Meu Nome é Dindi). No
restante da programação pode haver algumas pérolas bem escondidas, como é o caso
de Papel Não Embrulha Brasas, de Rithy Pahn, que poucos conseguiram ver
no É Tudo Verdade e que volta agora, escondidinho, lá entre os Dox; ou Nascido
e Criado, de Pablo Trapero, bastante elogiado em Gramado. Além deles, segue
mais algumas outras possíveis apostas do Festival para quem quer ir além dos filmes
“obrigatórios”. A Verídica Verdade Verdadeira Sobre Adolf
Hitler, de Dani Levy – maior sucesso de bilheteria na Alemanha, a simples
idéia de uma comédia sobre Hitler, feita na Alemanha, torna o filme um programa
imperdível. Portugal S/A, de Ruy Guerra; As Rosas
do Deserto, de Mario Monicelli – para quem acha importante tentar ver o máximo
de filmes de alguns grandes nomes da história do cinema mundial. Ainda
Orangotangos, PVC-1 e Valzer – já citamos o primeiro deles,
entre os nacionais, mas vale voltar a destaca-lo aqui porque, junto com os outros
dois filmes, ele cria uma curiosidade: são três longas realizados em plano-sequência,
sem corte. Só indo conferir para saber se são apenas feitos técnicos ou se atingem
grandes resultados também estéticos. Paprika, de Satoshi
Kon; Temporada de Seca, de Mahamat Saleh Haroun; Antiga Alegria,
de Kelly Richard – todos representantes da categoria filme e diretores pouco conhecidos,
mas que chegam com vários elogios da crítica internacional (além de prêmios na
competição menos glamurosa de Veneza ou de Roterdã). E nem
falamos de Im Kwon-taek, de Robert Guédiguian, de Paul Schrader, ou dos menos
favorecidos aqui por este escriba, como Michel Gondry, Ken Loach, Michael Moore,
Park Chan-wook, Denys Arcand, Carlos Saura (fase recente, pelo menos), Ermanno
Olmi, Tom Di Cillo, Winterbottom, Kim Ki-Duk, Carlos Reygadas, Patrice Leconte...
ufa! Muito a ver – nos vemos por aqui. editoria@revistacinetica.com.br
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