in loco - cobertura dos festivais
Politécnica (Polytechnique),
de Denis Villeneuve (Canadá, 2009)
por Eduardo Valente
Vampiro
de almas
Há algo de originalmente (no sentido
do que está na origem) muito estranho na maneira como o
cinema de alguns diretores parece precisar ir buscar na realidade
não apenas uma inspiração, mas a idéia de índice anterior automaticamente
superior que empresta, de saída, “autoridade e respeito” ao cinema
que se quer fazer. Pensamos nisso tudo quando, em Polytechnique,
Denis Villeneuve se propõe a lidar com uma das mais pregnantes
tragédias da recente história canadense, e ao propor uma "ficção"
submete toda a potência que esta poderia ter ao ditame de
uma relação com o que "realmente aconteceu".
Ao fazê-lo como faz, porém, é como se o cineasta
ignorasse (ou decidisse ignorar) toda uma história do pensamento
e da prática sobre como a ficção cinematográfica pode se
relacionar ou não com um fato da magnitude deste.
Podemos voltar a um jovem Alain Resnais realizando filmes como
Noite e Neblina ou Hiroshima Meu Amor para se relacionar
com algumas das maiores tragédias da humanidade (respectivamente
o Holocausto e a bomba atômica). Mas, talvez nem fosse caso
de precisar voltar tão atrás assim. Afinal, ao tentar ficcionalizar
um massacre perpetrado numa universidade canadense por um jovem
atirador munido de um fuzil, talvez bastasse a Villeneuve lidar
com algumas das questões e possibilidades levantadas recentemente
por Elefante, de Gus Van Sant – de resto, filme que se
torna tão inevitável quando se chega a esse tema como já foram
os de Resnais anteriormente. Não que o filme de Van Sant (ou os
de Resnais) apresentem-se como um manual, a partir do qual quem
não o seguir estará trilhando caminho obrigatoriamente equivocado,
mas é preciso considerar que eles existem (algo que Villeneuve
sabe bem, pelo menos no caso de Elefante, tanto que optará
em vários momentos por planos seguindo personagens em corredores
de uma escola; ou ainda volta a uma mesma cena vista anteriormente,
sob um novo ângulo). E, principalmente, que expõem (e impõem)
questões a partir das quais um cineasta com um mínimo de consciência
do que significa produzir imagens precise se repensar na sua prática.
Tudo
isso, porém, parece escapar completamente a Villeneuve,
que se coloca frente ao massacre da escola canadense da maneira
mais cínica e simplista possível. Primeiro, aparentando acreditar
ser possível (e/ou decente) simplesmente encenar o que “de fato
aconteceu”. Segundo, construindo um personagem real do homem que
matou todas essas pessoas, dando-lhe uma idéia tosca de “densidade
psicológica” que permita explicar suas ações. E, finalmente, aplicando
a estes dois exercícios de cinema que se propõe a fazer
uma idéia de “arte” de profunda ingenuidade, tanto pelas suas
implicações quanto à noção de beleza estética, quanto principalmente
pela de desenvolvimento narrativo.
De fato, o que Villeneuve faz aqui, sob o guarda-chuva de um discurso
de “respeito e homenagem às vítimas de algo que não se pode esquecer”,
beira o pornográfico pela exploração estética de ferramentas como
o plano subjetivo de vítimas à beira da morte ou desfoques “artísticos”
de um evento, estilizado ainda em um preto e branco que pretende
um realismo de butique. Como se fosse pouco, ao propor um desenvolvimento
narrativo onde, segundo as convenções mínimas dos gêneros e da
história do cinema, provoca-se no espectador uma idéia de suspense,
na espera pelo momento do massacre – daí, portanto, um desejo
de que elas se concretizem na tela, algo nunca menos que doentio
como impulso criativo. Não é a menor das formas pelas quais o
trabalho “respeitoso” de Villeneuve no fundo justifica as ações
do matador, se pensamos nele como alguém que busca ter sua imagem
eternizada através de suas ações dantescas
e que, transformado desta maneira em “protagonista” ainda que
póstumo, atinge seus intentos.
Maio
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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