Polícia,
Adjetivo (Politist, Adjectiv), de Corneliu Porumboiu (Romênia, 2009) por
Eduardo Valente A
correta distância, o exato tempo
O título
do novo filme de Porumboiu (em português: Policial, Adjetivo), que ganhou
a Camera D’Or de Cannes em 2006 com A Leste de Bucareste, é extremamente
preciso na definição do que propõe o filme: ao acompanhar a história de Cristi,
um policial jovem e recém-casado a quem é proposto uma missão banal (acompanhar
um jovem que pode ou não ser um pequeno traficante de drogas leves), interessa
muito pouco ao filme a idéia de policial como sujeito (ou seja, aquele que age),
e sim como uma qualificação dada a alguém, que está acima dos seus próprios desejos
ou meios de se diferenciar dela. Cristi é policial, portanto, e não um policial
ou o policial: ele tenta fugir do que isso significa, mas se encontra mais e mais
embrulhado num emaranhado de obrigações, expectativas, burocracias e, principalmente,
leis e definições (e a maneira como o formato de escrita de dicionário do título
será ainda mais justificado numa de suas seqüências finais é absolutamente brilhante,
com o lento e gradual desarme das complexidades humanas pela semântica). O
mais impressionante no filme é que isso tudo que eu descrevi acima, que poderia
ser pouco mais do que uma série de conceitos bonitos numa página de papel mas
ineficazes como cinema, está na tela com uma força, uma capacidade de ir direto
aos pontos realmente firme. Porumboiu filma o seu protagonista com uma câmera
que recusa o recurso fácil e contemporâneo da câmera na mão para imprimir “realismo”,
apelando para uma série de planos abertos, marcadamente no tripé, que acompanham
o personagem e esquadrinham um espaço em torno dele. Isso é especialmente importante
porque ele está numa missão de “tocaia”, e aparecerá (e nos será apresentado mesmo)
seguindo uma série de personagens ou esperando sua próxima ação. Por isso, a relação
do filme entre fora e dentro do quadro e entre profundidade de espaços é extremamente
essencial de estar bem resolvida – o que ele consegue aqui tanto com grande inteligência
como aparente simplicidade. Para
além dos enquadramentos, Porumboiu usa a idéia do plano-sequência com enorme sabedoria:
se esticar o tempo de uma ação é primordial para um personagem que está em espera,
seria fácil cair na tentação do plano-sequência auto-afirmativo, como muleta de
linguagem que poderia ir se esvaziando na medida em que fosse hiperusada. Não
é o caso, pois o diretor escolhe com muita parcimônia as três ou quatro situações
onde de fato o tempo extendido radicalmente faz-se mais potente, permitindo que
o personagem e sua relação com o mundo à sua volta (tanto a mulher, em casa; como
a vítima de sua tocaia; como o delegado-chefe na delegacia) se tornem o mais contundentes
possível para seguir com este que é, no fundo, o retrato de uma desumanização
pelo sistema (tema onipresente deste novo cinema romeno?). Por isso mesmo, o plano
final de Politist, Adjectif é tão brilhante: por completar esse trajeto
com total coerência e firmeza, ao transformar pessoas em marcas de giz num quadro
negro. É não menos que isso que o aparato policial exige do indivíduo. Maio
de 2009editoria@revistacinetica.com.br
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