Polaróides
Urbanas, de Miguel Falabella (Brasil, 2007) por
Cléber Eduardo
CPC, versão Falabella Estréia na
direção de cinema de Miguel Falabella, e adaptação da peça Como Encher um Biquini
Selvagem, do próprio Falabella, Polaróides Urbanas é uma comédia baixo
astral. Parece claro que, antes de procurar o riso dos espectadores urbanos situados
em algum dos cômodos da classe média, Falabella quer, como sugere o título, um
polaróide contemporâneo sobre os estereótipos de universos familiares a esses
espectadores. Temos lá sapecados alguns dos sintomas de ocasião: colapsos, pânicos,
paranóias, egoísmos e indiferenças, distribuídos entre atrizes, psicanalistas,
adolescentes e jovens perdidos em si mesmos. Com essa disposição
de ser documento de seu tempo, estruturado como um resumo de um mês de telenovela,
o filme reduz o humor a coadjuvante de um dramalhãozinho risível. Somente todos
os poucos momentos de Otavio Augusto, com seus resmungos, ruídos, gestos e expressões,
nos lembram como Polaróides Urbanas poderia ser uma comédia comprometida
com o patético, com o ridículo e com a graciosidade das situações, caso não se
dispusesse a levar a sério parte dos personagens e dos conflitos. Nem lá, nem
cá. Porque nem temos nada muito além de Otávio Augusto em matéria de humor, nem
as partes dramáticas estão à vontade em sua articulação com a parte cômica. O
xarope dramático tem como núcleo central a depressão de uma adolescente que deseja
romper com o mundo (do qual se enoja) com uma overdose de remédios. A mãe dela
é psicanalista indiferente. A melhor amiga é uma garotinha ambiciosa, militante
do sexo como promessa de conforto material, louca pela fama como atriz, que faz
os homens de absorvente. Uma das vítimas é um stripper com prática em michê
nas horas extras. Como quer mostrar esses personagens como doenças sociais e psicológicas
de seu tempo histórico, Falabella não deixa o riso se intrometer nesses núcleos
e prefere concentrá-los em outros segmentos. Já
a vertente cômica é comandada por Marilia Pêra, em seu duplo papel de irmãs gêmeas.
Uma é a “estereotípica” imagem de turista brasileira grosseira; outra é uma não
menos caricatural imagem de dona de casa em crise, ressentida com o dinheiro da
irmã e infeliz com a paranóia do marido, um sujeito convicto na decisão de jamais
sair com seu carro de casa, receoso de colocar o automóvel em risco. Portanto,
mesmo quando claramente está no registro cômico, Polaróides Urbanas não
esquece de seu título, de sua disposição de esboçar uma radiografia social, emendando
um “estéreo-tópico” a outro. A graça vem acompanhada de uma leitura de realidade,
não mais complexa que as do humorismo de televisão e das telenovelas. Se
tem uma marca vinculada a uma noção de show, seja no palco ou na televisão, Falabella
mantém uma tradição de herança bastarda do CPC, tal qual a dramaturgia da telenovela
global. Dentro dessa pauta de humor social, Arlete Salles, na pele de uma atriz
com síndrome de pânico, incapaz de lidar com o assédio de fãs e com todo tipo
de roubo de sua imagem (celulares, máquina fotográfica), fica um tanto deslocada.
Sua personagem vive um drama grave o suficiente para colocá-la do lado sério do
filme, mas é tratada no lado cômico e fica sem muita razão de estar em cena. O
olhar interessado em destacar a decadência e a degradação das relações no espaço
urbano e a falta de habilidade para lidar com a convivência entre o cômico e o
dramático, ambos de segunda linha, evidencia a presença de um diretor com olhar
claro para o mundo enfocado e um olhar relaxado para a construção desse mundo
no cinema. Além de não haver resquícios de um pensamento estético nas escolhas
dos planos, menos ainda na articulação entre um e outro, Polaróides Urbanas
tem uma das fotografias mais descuidadas no foco e no (des)equilíbrio das cores
dentre os filmes recentes, impressão essa possivelmente destacada pela qualidade
da cópía e da projeção. Temos uma celebridade com ponto de vista sobre o presente,
mas não um diretor com visão de cinema. Há pouca diferença entre se ver o filme
e ouvir um relato verbal sobre seus acontecimentos. A imagem faz pouca diferença.
O que não significa que, como muitos filmes gerados por
esse mercado de captação para adaptações de peças de teatro, este seja quadradão:
é somente desastrado. Há lá uma tentativa de se aplicar um travelling em
um corredor de bastidor de teatro, um outro incumbido de alterar no movimento
o núcleo de personagens em quadro, mas são procedimentos tascados em quadro de
forma aparentemente aleatória. Nas imagens finais, Fallabella resolve “assinar”
a imagem com sua própria imagem, aparece na filmagem. São muitas situações com
sua presença, durante todo o letreiro de despedida, a salientar que é sua a visão
do filme, assim como a nos lembrar que, embora suas imagens não carreguem uma
assinatura, ele é o diretor daquele ponto de vista – expresso de maneira tão inepta
na tela. Março de 2008
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